O Brasil tem falhado com a proteção das crianças. A segurança infantil é escassa e um plano de ação é necessário para que essa realidade seja revertida. Às vésperas do Dia das Crianças, trazemos até vocês um recorte com os principais números que comprovam que ainda falta muito para que tenhamos motivos para comemorar. A violência contra crianças cresce a passos largos em nosso país.

Um dos principais pontos que necessitam de atenção é o constante risco de abuso sexual. O Ministério da Saúde divulgou recentemente dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (e tabulados pela Folha de São Paulo) que mostram que: a cada dez crianças e adolescentes que são atendidos no serviço de saúde após sofrerem algum tipo de violência sexual, quatro já tinham sofrido esse tipo de agressão antes.

Os dados são de 2018 e demoraram a ser divulgados justamente para que uma análise mais profunda pudesse ser realizada. Mas cabe ressaltar que o número de abusos e a recorrência são dados que apresentam constância ao longo dos anos. Poucas alterações, seja para queda ou aumento, são registradas. Isso revela que o Brasil possui um caráter permanente de urgência no combate do abuso infantil. E que nada efetivo tem sido feito.

De acordo com o levantamento, a cada três pessoas vítimas de violência sexual, uma é menina e possui de 12 a 17 anos. Considerando ambos os sexos, a maior parte dos registros de violência sexual (72%), recorrentes ou não, aconteceu contra pessoas que tinham até 17 anos.

vítimas de violência sexual

Entrando ainda mais fundo na análise, chegamos a um dado estarrecedor: a violência sexual contra crianças de até 5 anos atingiu 18% das notificações e de 6 a 11 anos 22% do total. Essas agressões ocorrem mais em casa (68%), e têm o pai (12%), o padrasto (12%) ou outra pessoa conhecida (26%) da criança como abusador.

Abandono e negligência

Mas se engana quem pensa que esse é o único ponto de falha da nossa sociedade com os mais jovens. Em 2019 o Brasil atingiu o topo de um triste ranking: o de país com maior risco de violência contra crianças e adolescentes no mundo. As informações são do relatório Child Rights Now – Análises da Situação dos Direitos da Criança, realizado pelo Grupo Joining Forces.

O estudo, que reúne dados atuais sobre a situação das crianças e dos adolescentes no país para saber quais são os desafios para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), focou em temas prioritários. Os pontos observados foram: acesso à educação de qualidade; convivência familiar e comunitária; desigualdades, abusos e violências de gênero; e extermínio de adolescentes e jovens negros.

No quesito educação, os dados chocam. 2,5 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil. Já sobre desigualdade social, o levantamento aponta que 61% das crianças e dos adolescentes brasileiros vivem em situação de pobreza ou privação de pelo menos um direito (educação, informação, proteção contra o
trabalho infantil, moradia, água ou saneamento).

estupro de crianças

Quando considerados osabusose violências de gênero, o relatório aponta que mais de 100 mil meninas sofrem violência sexual todos os anos no país. Por fim, 77% dos adolescentes que cumprem medidas de privação de liberdade no país são negros. E somente nos últimos seis anos o número de adolescentes presos aumentou em 58,6%.

Não é de hoje que o Brasil temfalhado com as suas crianças. Em estudos recentes foi detectado que cerca de 40% dos jovens que passam pelos serviços de apoio às crianças vítimas de violência foram vítimas de negligência.

No último relatório anual do Disque 100 (Disque Direitos Humanos), criado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), foram registrados 152.178 tipos de violações contra menores de idade.

Destes, 72,66% foram referentes à negligência, seguida por violência psicológica (48,76%), violência física (40,62%) e violência sexual (22,40%). Como em muitos casos uma única denúncia engloba mais de um tipo de violência, os dados ultrapassam o “100%”. É comum, por exemplo, que a criança vítima de negligência seja, também, agredida física e psicologicamente. Assim como a maior parte das vítimas de abuso sexual sofre ameaças e são fisicamente castigadas para que não revelem a ninguém a agressão que sofreram.

abandono de crianças

Como denunciar

As crianças pedem socorro e cabe a nós, cidadãos, a tarefa de denunciar para os órgãos públicos necessários qualquer suspeita de violação dos direitos básicos dos menores de idade. O Conselho Tutelar da região de moradia da vítima, por exemplo, tem o dever de visitar a casa, avaliar a situação e fazer o acompanhamento do caso quando recebe uma denúncia. Outros órgãos, como o Ministério Público e as Varas da Infância e Juventude, também podem receber esse tipo de notificação.

É possível, ainda, realizar uma denúncia anônima pelo disque-denúncia ou pelo Disque 100, serviço que recebe e encaminha denúncias de violação aos direitos humanos relacionadas a diversos grupos, incluindo crianças e adolescentes. O que não é mais aceitável é ficar calado. Que sejamos todos a voz desses pequenos, que estão calados pelo medo e pela ameaça constante de violência.