Nem toda violência é física, nem toda dor é sentida na pele, nem todo relacionamento demonstra a terceiros o que ele realmente é entre quatro paredes. A violência doméstica se apresenta em diferentes formas e o relacionamento abusivo ganha espaço entre as pautas do gênero. É preciso falar sobre ele, sobre sua representação para milhares de pessoas, especialmente mulheres, e sobre como sair dele – porque, sim, é possível!

O relacionamento abusivo é uma das formas de violência psicológica que envolve a violência doméstica. E nem é preciso que agressor e vítimas morem sob o mesmo teto ou mantenham um vínculo amoroso.

Ele é caracterizado pelo jogo de controle, violência, ciúmes e abusos, que começam com qualquer atitude que priva a vítima de sua liberdade, mesmo que nas situações mais simples do dia a dia. Na maioria dos casos, a mulher nem sabe o que é relacionamento abusivo, muito menos percebe que está vivendo um.

O VS preparou um post completo para que você entenda mais sobre esse tipo de abuso emocional e os reflexos para quem sofre uma dor que não é vista por outras pessoas.

> Entenda mais sobre o que é um relacionamento abusivo e quais são as formas de agressão sofridas pelas vítimas;

> Conheça a história de mulheres que viveram essa realidade;

> Você está em um relacionamento abusivo? Entenda os principais sinais que ajudam a definir esse tipo de violência.

Mas o que é um relacionamento abusivo?

Se há diferença de poder entre as pessoas que estão em uma relação – principalmente as amorosas -, há um relacionamento abusivo. Um dos sinais que identificam esse tipo de situação é a agressão física, mas nem sempre ela está presente.

Um relacionamento abusivo vai além do óbvio da dor física e se estende ao sofrimento que ninguém pode ver. Abuso psicológico, chantagens, ciúmes, provocações, frases como “ninguém vai gostar de você como eu” ou “você é louca”, colocando em xeque a autoestima e a sanidade das vítimas, são comportamentos típicos de uma relação abusiva. Ao mesmo tempo, o agressor pode se mostrar parceiro e romântico, fazendo com que a vítima tenha dificuldade de identificar a situação que está vivendo.

relacionamento abusivo

Esse tipo de relacionamento não acontece somente entre casais heterossexuais e nem sempre o homem é o abusador. Da mesma forma, o relacionamento abusivo vai além das uniões amorosas e pode ocorrer entre pais e filhos, amigos e chefes e empregados – podendo, também, acontecer mutuamente: um sendo abusivo com o outro em momentos diferentes.

 

Vítimas de relacionamentos abusivos

A equipe do Violência Social ouviu mulheres que passaram por esse tipo de relacionamento amoroso. Em um post feito em uma rede social, o engajamento sobre o tema foi baixo, no entanto, muitas entraram em contato por mensagem direta querendo contar suas histórias.

Ainda que de forma anônima, elas têm um objetivo em comum: falar sobre o que viveram com o objetivo de alertar outras vítimas que passam pelo mesmo e, ir além, fazendo um alerta para que outras mulheres não aceitem viver esse tipo de situação.

Historiadora e atriz, Brunna Laurino, de 23 anos, viveu um relacionamento abusivo durante 10 meses. Além de ciúmes e de esconder a relação com ela, o então namorado, também ator, teve ataques de fúria sobre o destino de uma personagem vivida por Brunna.

“Minha personagem iria dar um beijo no personagem interpretado pelo melhor amigo dele. Nós aprendemos desde sempre que nada daquilo é verdade, tudo é atuação. Ele deveria entender isso, mas foi super agressivo comigo, quebrou coisas em casa, quase jogou uma cômoda em cima de mim e queria agredir o próprio amigo”.

A jornalista Fabiana*, de 42 anos, também tinha seu profissionalismo questionado e sua autoestima rebaixada por um antigo relacionamento.

“No começo do namoro ele agia como um lorde, estávamos apaixonados e logo fomos morar juntos. Tudo era do jeito dele e eu, imatura, achava que aquilo fazia parte. Não pude opinar nem na hora de mobiliar o apartamento”.

A imaturidade e a insegurança fizeram com que Fabiana demorasse a enxergar o que estava passando. Ela ficou grávida de seu então namorado, mas os abusos não pararam e atingiram outras proporções.

“No dia do chá de bebê, ele disse que não dei atenção e nem fiz comida para ele. Gritou comigo e jogou os presentes pela janela. Quando minha filha, hoje com 15 anos, estava com dois meses, ele viajou e me deixou sozinha, argumentando que eu não tinha dinheiro para pagar aquela viagem. Quando nos separamos, chegou a fazer ameaçar dizendo que tiraria minha filha de mim por ter mais condições do que eu. Mesmo quando terminamos, ele ainda exercia muita influência psicológica sobre mim”.

A funcionária pública Carla*, de 36 anos, também viu aquele que era seu amor se transformar em um algoz e pai de seu primeiro filho. Sempre romântico e atencioso no início do namoro, ele passou a demonstrar um comportamento intolerante e agressivo em relação ao emprego de Carla, que então trabalhava como caixa em um comércio.

“Ele me seguia e ficava me observando trabalhar. Quando ia me buscar, vinham as cobranças, dizendo que eu sorria para os clientes ou para colegas de trabalho. Eu falava que ia terminar, ele chorava dizendo que ia mudar e logo voltava tudo outra vez. Quando eu tentava encerrar o relacionamento mais uma vez, ele me ameaçava e dizia que ia matar toda a minha família. Ele andava armado”.

Foi então que Carla descobriu que estava grávida de cinco meses. Tomada pelo medo, ela preferiu continuar no relacionamento abusivo, acreditando estar protegendo seu bebê, sua família e a si mesma.

“Quando eu estava grávida de oito meses, ele parou a moto em uma rua deserta e me chutou nas pernas. Só tive o reflexo de proteger minha barriga. Depois que nosso filho nasceu, fui me afastando cada vez mais, até que ele me contou que vendeu a arma, e essa foi minha libertação! Foi difícil, mas expliquei para ele que não seria saudável para o nosso filho se ficássemos brigando. Ele o visitou nos primeiros meses de vida, depois sumiu. Anos depois, descobri que ele havia sido acusado e preso pela Lei Maria da Penha por ter batido em uma ex namorada”.

A redatora publicitária Bruna Pinheiro, de 25 anos, foi vítima de um relacionamento abusivo em seu primeiro namoro, aos 16 anos. Durante sete anos, ela acreditava que a as brigas e abalos psicológicos que vivia faziam parte de qualquer relação.

“Ele nunca chegou a me agredir, mas batia sempre nas paredes e nas portas, chegou a quebrar um espelho de tanta raiva no meio de uma briga. Hoje eu sei que provavelmente a próxima seria eu. No primeiro ano foi tudo tranquilo, mas depois disso ele passou a competir comigo, queria ser melhor que eu e não aceitava minhas vitórias. Não gostava que eu saísse com a minha família e com os meus amigos porque, segundo o que ele dizia, só ele me queria bem e o resto mentia”.

Luíza*, 35 anos, jornalista, se relacionou por nove anos com aquele que acreditava que seria seu grande amor, sendo quatro anos em união estável. O principal abuso sofrido por ela era o emocional, já que seu então companheiro demonstrava carência e fingia ter depressão por excesso de trabalho, mas vivia uma vida regada a baladas, viagens e outra mulher.

“O objetivo dele era sempre me fazer de culpada por sua falsa depressão. Eu não tinha mais vida social porque me sentia mal em me divertir enquanto ele supostamente trabalhava. Ele tinha total controle de onde e com quem eu estava. Eu era como um hamster na gaiola. Ele tinha perfis nas redes sociais ostentando outra vida onde eu era bloqueada, é claro. Eu estava tão abalada psicologicamente que sequer desconfiava dele. Ele me jogou contra familiares, diminuía minha carreira profissional, fez da minha vida um inferno.Até que um dia descobri a verdade e foi uma libertação”.

Apesar da dificuldade para enxergar tudo que passou, Luíza hoje se sente feliz. Fez terapia, aprendeu a lidar com essa situação e recebeu apoio da família e dos amigos.

“Arrumei minhas malas e fui ser feliz, sem sequer brigar pelos bens aos quais tinha direito. Minha liberdade e dignidade não têm preço! Estou bem, renovada, até minha vida profissional melhorou”.

relacionamento abusivo

Relacionamento abusivo na família – Como já dissemos, as relações abusivas vão além dos vínculos amorosos e podem acontecer também no ambiente familiar, que foi o caso da professora Maria*, hoje com 43 anos.

Durante a primeira infância, ela conviveu com um pai amoroso e carinhoso. Quando os anos passaram, parecia que já nem era mais filha da mesma pessoa. O método de educação era baseado na correção, com um chamado “pauzinho da verdade”, um pedaço do estrado da cama de um dos três filhos, utilizado para punir as crianças.

“Somos em três irmãos de uma família de militares e não podíamos ‘errar’. Responder, não arrumar a cama, correr dentro de casa, brigar entre irmãos ou mesmo tirar notas abaixo de nove. Tudo era motivo para o “pauzinho da verdade”. Se minha mãe interferisse, apanhávamos mais ainda. Uma das vezes ele nos sentou no sofá e disse que ia matar todo mundo”.

Envolvimento com outras mulheres, longas noitadas e muita bebida alcoólica. Apesar de ser de uma tradicional família do Rio de Janeiro, o pai de Maria se mostrava um homem agressivo e, segundo ela, “possuído”. O sofrimento só teve um fim após o divórcio dos pais, quando ela já tinha 15 anos.

“Minha mãe voltou para o mercado de trabalho na época e, um dia, ele foi buscá-la no trabalho. Meu pai, que tem porte de arma, arrebentou o rosto dela a coronhadas e a jogou para fora do carro em movimento, em pleno Aterro do Flamengo”.

*Os nomes de algumas vítimas foram alterados para que suas identidades fossem preservadas.

 

Como identificar?

O agressor pode oscilar de comportamentos, sendo carinhoso, romântico, calmo e até mesmo com tentativas de ‘inverter o jogo’, constantemente visando se passar por vítima. Em meio a essas atitudes que costumam confundir a a companheira, pode ser difícil identificar um relacionamento abusivo.

No entanto, algumas características se repetem nesse tipo de relação. Atenção aos sinais e, se você está passando por isso ou conhece alguém que vive essa situação, busque ajuda! É possível dar um fim a esse sofrimento.

Entenda os principais ‘sintomas’ de uma relação abusiva:

  1. Humilhações e constrangimentos causados pelo agressor;
  2. Críticas e autoestima rebaixada por outra pessoa;
  3. No caso de um relacionamento amoroso, o parceiro a ignora, exclui ou se recusa a conversar;
  4. Sarcasmo, provocações;
  5. Ciúmes em excesso e possessivo;
  6. Chantagens, atitudes de controle e dominação;
  7. Isolamento de familiares e amigos;
  8. Controle financeiro;
  9. Uso de frases como “você está louca”, “você é descontrolada” ou qualquer tipo de insinuação que faça você duvidar da própria capacidade;
  10. O agressor faz ameaças contra você ou contra si próprio, como o suicídio, caso você o deixe.

 

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