A cada 17 minutos uma mulher é agredida fisicamente no Brasil. A cada meia hora, uma sofre agressão psicológica. O cenário da violência doméstica no Brasil é grave e a sensação, para quem se torna vítima, é de que não há uma luz no fim do túnel. Principalmente quando se avalia o último relatório do Mapa da Violência, que mostra que toda semana cerca de 33 mulheres são assassinadas por seus atuais ou antigos parceiros.
A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, veio justamente para tentar oferecer algum tipo de apoio para as mulheres. Conhecida como a maior arma das mulheres no combate e prevenção da violência doméstica, a Lei 11.340 foi assinada pelo presidente Lula e batizada em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que em 1983 sofreu um ataque de seu então marido, Marco Antonio Heredia Viveros, e sobreviveu não só para contar a história como para abraçar uma causa que já salvou muitas vidas.
Apesar de ser conhecida por cerca de 98% da população brasileira como uma eficaz arma de combate à violência – de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – a história por trás da norma e quem pode ser beneficiado por suas diretrizes ainda são pontos que geram dúvidas.
Uma das questões que precisa ser divulgada de forma mais eficaz é o auxílio jurídico assegurado pelo artigo 2 do capítulo IV da Lei. Segundo a publicação, toda mulher em situação de violência doméstica e familiar tem acesso garantido aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária gratuita, mediante atendimento humanizado.
A importância desse tipo de apoio estar previsto em Lei é o longo caminho pelo qual as vítimas de violência precisam passar para, enfim, se sentirem mais seguras. Engana-se que a busca por justiça e proteção, nesses casos, se resume “apenas” à denúncias.
As medidas protetivas, por exemplo, podem ser as responsáveis por salvar diversas vidas. E nem todas as mulheres sabem como solicitar (outras muitas sequer imaginam que possuem direito a tal proteção). A lei prevê medidas protetivas, que vão desde o afastamento do agressor do convívio com a vítima até o abrigamento da mulher e de seus filhos, se for o caso, em lugar sigiloso, que deve ser disponibilizado pelo Estado.
As medidas podem ser solicitadas nas delegacias, no Ministério Público, ou por meio da Defensoria Pública e de advogados particulares. Em casos mais urgentes, o juiz pode conceder o afastamento do acusado em menos de 48 horas. É uma forma de proteção que pode significar uma mulher a menos a entrar nas tristes estatísticas listadas acima.
Quem é Maria da Penha?
Farmacêutica Bioquímica, com mestrado em parasitologia, Maria da Penha se casou no fim da década de 60 com o boliviano Marco Antonio e teve três filhas. Tranquilo no início do casamento, Marco começou a mudar depois do nascimento da segunda filha do casal.
Agredida constantemente pelo marido, que também agredia as filhas, Maria da Penha seguiu o mesmo caminho de muitas mulheres: se calou. Em maio de 1983, agora com três filhas pequenas em casa, Maria da Penha se deitou para dormir e acordou ao ser atingida com um tiro nas costas. Quando o socorro chegou, o marido alegou que a casa foi assaltada e que bandidos efetuaram o disparo.
Depois de várias cirurgias e meses de hospital, presa para o resto da vida a uma cadeira de rodas, Maria sofreu um segundo atentado dentro do banheiro da casa: O marido tentou eletrocutá-la. Neste período, as investigações apontaram que Marco foi o verdadeiro autor do tiro que a deixou paraplégica. Protegida por uma ordem judicial, ela conseguiu sair de casa com as filhas e iniciou uma longa batalha pela condenação do marido.
A primeira vitória veio somente em 1991, mas o agressor conseguiu a liberdade. Inconformada, Maria da Penha resolveu contar sua história em um livro intitulado “Sobrevivi… posso contar”, onde relata todas as agressões sofridas por ela e pelas filhas. Por meio do livro, conseguiu contato com o CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), que juntos encaminharam, em 1998, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma petição contra o Estado brasileiro, relativa ao caso de impunidade em relação à violência doméstica por ela sofrida.
Em 2001, a CIDH responsabilizou o Estado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica. Em 2002, faltando apenas seis meses para a prescrição do crime, Marco foi preso. Cumpriu apenas 1/3 da pena antes de ser solto.
Foi só depois de ter sua vida escancarada na imprensa do Brasil e do mundo que Maria da Penha conseguiu voltar as atenções das autoridades brasileiras para a necessidade de uma lei que punisse a violência doméstica contra as mulheres. Quatro anos depois, a Lei Maria da Penha foi assinada e mulheres de todo o país puderam assim ter mais uma chance de sobrevivência.
Envie seu Comentário