O esporte brasileiro tem sido palco nos últimos anos de diversas cenas de violência, machismo e preconceito. E os dados divulgados na última semana pelo Observatório da Discriminação Racial mostram que falta muito para que possamos dizer que os locais de prática esportiva (principalmente os estádios de futebol) são seguros para todas as pessoas.
Isso porque o estudo detectou um aumento nos casos de injúria racial no esporte brasileiro em 2019. A entidade, dedicada a pesquisar e discutir o tema, registrou 47 casos no País até novembro. O número representa um crescimento de 6,8% em relação ao ano passado, quando foram registradas 44 ocorrências.
Apesar de parecer um número pequeno se comparado, por exemplo, com o total de crimes de ódio contra negros computados ao dia no Brasil (33 denúncias diárias, em média), essa é a maior marca de injúria racial no ambiente esportivo dos últimos cinco anos. É um indicativo de que, longe de melhorar, estamos retrocedendo.
Mais do que apenas “cerca de 50 casos isolados de injúria racial”, esses números nos levam a refletir sobre o racismo por um outro ponto. Segundo o IBGE, do total de 16 milhões de brasileiros na extrema pobreza, a grande maioria é negra ou parda. Atualmente, 9,9% da população negra é analfabeta, ao passo que entre a população branca, este número é de 4,2%. O abismo social entre brancos e negros ainda é grande. E as desigualdades não param por aí, mesmo com 54% da população composta por negros e negras.
A questão fica ainda mais nítida quando são colocados, lado a lado, os resultados da pesquisa de rendimento médio salarial. Também de acordo com o IBGE, em 2017 o rendimento médio de todos os trabalhos obtido pelos brancos foi de R$ 2.814, contra R$ 1.606 dos pardos e R$ 1.570 dos negros. No Brasil, a média salarial do negro chega a ser quase 50% menor do que a dos brancos.
Com esses dados em mente, será coincidência que crimes de injúria racial sejam cometidos contra pessoas negras que estão em posição de destaque, com altos salários, fama e prestígio (como os jogadores de futebol)? Será mesmo que não é possível dizer que existe racismo estrutural no esporte, que faz com que torcedores, agindo em grupo e exaltados, ataquem sempre da mesma forma? Com preconceito, racismo, ofensas que nada tem a ver com a capacidade esportiva do atleta, mas única e simplesmente focadas na cor de pele.
Além disso, será que estamos, de fato, levando em conta a grande subnotificação em casos de injuria racial? No começo de novembro o GloboEsporte.com divulgou uma pesquisa mostrando que, provavelmente, os casos não notificados são muitos. A equipe do portal passou seis meses ouvindo atletas e treinadores negros de 60 clubes das Séries A, B e C. E o levantamento, feito sob a condição de anonimato por parte dos entrevistados, aponta: 48,1% afirmam terem sido vítimas de racismo no futebol. A grande maioria dos casos (mais de 92%) ocorreu dentro dos estádios e mais de 87% dos atletas atingidos não prestaram qualquer tipo de queixa ou denúncia.
É preciso que atitudes sejam tomadas para que casos de injúria racial nos estádios sejam devidamente punidos. Porém, não podemos nos esquecer de que preconceito racial não existe somente no esporte, na verdade o caminho (e a busca por soluções) é justamente o contrário. Vivemos em uma sociedade desigual e preconceituosa e as manifestações da torcida nada mais são do que uma pequena amostra do que os negros escutam nas ruas todos os dias.
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