Em uma época em que muito se fala sobre racismo, luta por direitos e todo o movimento “Vidas Negras Importam”, que começou nos Estados Unidos e se espalhou por todo o mundo, é importante que a gente pare e reflita sobre segurança racial e como o preconceito está presente em nossa sociedade.
Para auxiliar nesse entendimento e propor uma reflexão sobre privilégios, o portal Segurança da Família conversou com especialistas para entender melhor o Racismo Estrutural e preparou um artigo didático, com o básico que você precisa saber sobre o tema para que possa, assim, repensar atitudes, discursos e posturas.
O que é racismo estrutural?
O Racismo Estrutural é resultado de todo o processo de colonização e escravidão. Imagine toda uma população escravizada por anos, sem qualquer tipo de acesso à educação, sem renda, sem liberdade. Imagine agora que essas pessoas foram “libertadas” na abolição da escravatura, mas que não foi oferecido a elas nenhum tipo de apoio para que elas pudessem assim começar a se estruturar. Além de o Brasil ser o último país das Américas a aderir à libertação das pessoas escravizadas, a população negra que vivia aqui se viu livre, porém sem opções de emprego ou educação.
“O Racismo estrutural é o resultado dos processos de colonização e escravidão impostos na atualidade. Decorrem da marginalização dos negros e de minorias, vítimas da violência do Estado em não praticar e criar políticas públicas adequadas com fins de igualdade social, nas esferas da educação, saúde, emprego, segurança, assistência social etc.”, explica o Prof. Pós Doutor Marcelo Válio, referência nacional na área do direito dos vulneráveis.
É o fato de estar presente em toda a base da nossa sociedade que faz com que o Racismo Estrutural seja chamado assim. É uma estrutura “invisível” que privilegia brancos, que faz com que a gente se acostume a não questionar a ausência de negros em cargos importantes, que faz com que seja “natural” que uma escola particular tenha maioria branca, e que, desde os tempos da abolição da escravatura, faz com que o caminho de uma pessoa negra para alcançar o mesmo posto de uma pessoa branca seja muito mais árduo e repleto de obstáculos.
“Não é à toa que, em um país com maioria de negros, cargos de destaque dificilmente sejam ocupados por negros. Basta ver as fotos institucionais dos vários órgãos governamentais, desde que o Brasil é Brasil”, comenta o advogado Cássio S. de Ávila Ribeiro Jr, que é pesquisador de direito antidiscriminatório na Universidade de São Paulo.
Por isso, no início do texto falamos que é importante que se faça uma reflexão sobre privilégios. Muito se fala sobre meritocracia, mas é possível avaliar somente o mérito de uma conquista, sendo que não estamos todos partindo do mesmo lugar? Para que fique ainda mais claro, Dr Cássio propõe um exercício:
– Pergunte-se você, branco que está lendo esta reportagem. Quantos amigos negros você teve na sua vida? A quantos médicos negros você foi? Quantas pessoas negras você segue nas redes sociais? Após, veja igualmente quantas pessoas negras que ocupam cargos de faxineiros, porteiros, e serviços em geral que você conheceu. Seja qual for sua resposta pessoal, saiba que ela não é coincidência ou mero acaso, pois infelizmente as pessoas têm lugar pré-determinados e específicos em nossa sociedade.
Não é a toa, não é por acaso. E, infelizmente, é menos perceptível do que deveria. Hoje o racismo faz parte da cultura de um povo. “Imperceptível, pois o conjunto de práticas institucionais e relações sociais, econômicas e políticas foi estruturado para que ocorra um privilegio de um grupo étnico em detrimento de outro. Está enraizado. Em pequenas expressões pejorativas e usualmente empregadas, por exemplo, se releva explicitamente. ‘Dia de branco’, ‘a coisa tá preta’, ‘lista negra’, ‘denegrir’ etc.”, ressalta Marcelo Válio.
Os caminhos para a conscientização
Os protestos recentes causaram uma comoção grande nas redes e diversas pessoas passaram a propor reflexões e análises sobre todo esse cenário. Mas será que esse é o caminho? “Vi muita gente postando que ‘não adianta nada apenas compartilhar a ideia’. De fato, o estudo é sempre o melhor caminho, para que possamos todos compreender que estas teorias e trabalhos científicos não são coisas tiradas da cartola ou, como se diz, “mimimi”. Há muita coisa séria sendo produzida em nosso país por pesquisadores de ponta e em conjunto com as universidades mais renomadas do mundo! Por outro lado, não podemos subestimar o valor do ‘só compartilhar’, pois isto ajuda, e muito, na conscientização coletiva”, avalia Dr Cássio.
Se não auxilia na elaboração de uma legislação mais inclusiva, essas manifestações virtuais ao menos podem ter o poder de fazer com que as pessoas parem por um minuto para repensar falas racistas, atitudes discriminatórias, ou mesmo o privilégio de poder sair na rua sem ter medo de ser abordado de maneira truculenta em uma ação policial.
“Vejo que tudo isso que vem ocorrendo é muito benéfico para expor o tema e conscientizar a todos que fazemos parte de uma sociedade cuja estrutura está baseada na discriminação racial. Isso faz entender que eu e você somos parte disso, ainda que tenhamos certeza de que não discriminamos (diretamente) ninguém. Aliás, este é o básico (não discriminar ninguém), mas o que mais você está fazendo para mudar esta estrutura, para mudar as regras de um jogo que coloca uma maioria esmagadora de brancos nos bancos de universidade, mesmo com as cotas?”, finaliza Dr Cássio.
E se o racismo estrutural é uma forma de naturalização de pensamentos e situações que promovem a discriminação, como isso pode ser mudado? Além de protestos, leis, ações de combate, a educação, principalmente das crianças, é um dos caminhos mais efetivos. Mas como trabalhar esse tema nas escolas?
“É preciso trabalhar esse tema de forma lúdica. Entre as estratégias que podem ser utilizadas para estimular atitudes mais inclusivas e o respeito às diferenças existentes, destacam-se: brincadeiras, conversas, contação de histórias com bonecos, incorporando narrativas que tragam situações discriminatória, mostrando como devemos agir, bem como abordagem de temas onde os negros também possam ser colocados como protagonistas”, explica o professor Sandro Caldeira.
Ele explica ainda que esse trabalho deve ser feito da Educação Infantil à Superior e que a escola deve ser a base dessa formação, sobretudo quando a família não fornece essa base. Além de manter um diálogo sempre aberto entre colégio, estudante e família, para que os pais tomem conhecimento em casos em que os jovens apresentam algum tipo de comportamento discriminatório. “Devemos chamar os pais para que tomem conhecimento e participem de uma nova modelagem da educação de seus filhos. Em casos mais graves, deve a Escola buscar apoio do Conselho tutelar para que medidas de proteção prevista na legislação possam ser acionadas”, complementa.
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