Desde 2008, todo pai ou mãe com filhos menores de 7 anos e meio sabem que para andar de carro com as crianças é necessário um assento elevado apropriado para a idade. Infração gravíssima, com multa de quase 300 reais e 7 pontos na carteira, transportar os pequenos sem a chamada “cadeirinha” é, além de falta de segurança, um risco grande de perder dinheiro. Mas, possivelmente, por pouco tempo.

Isso porque o projeto de lei entregue no início de junho pelo presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados propões alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), propondo acabar com multas para os motoristas que desrespeitarem regras de transporte de crianças em veículos. Em 28 de maio de 2008, o Conselho Nacional de Trânsito expediu a Resolução nº 277 regulamentando mais detalhadamente o transporte de crianças menores de dez anos em veículos automotores. Além de dispor sobre os veículos, a norma também traz modelos de equipamentos considerados como dispositivos de retenção para crianças.

Atualmente, as crianças com até um ano de idade deverão utilizar, obrigatoriamente, o dispositivo de retenção denominado “bebê conforto ou conversível“, as com idade superior a um ano e inferior ou igual a quatro anos deverão utilizar, obrigatoriamente, o dispositivo de retenção denominado “cadeirinha” e as crianças com idade superior a quatro anos e inferior ou igual a sete anos e meio deverão utilizar o dispositivo de retenção denominado “assento de elevação“.

É importante ressaltar que o PL não proíbe as cadeirinhas, nem libera completamente que não sejam usadas. A diferença sobre a legislação atual é que a punição será somente uma advertência por escrito. A justificativa dada pelo presidente é que dessa forma será possível combater a chamada “indústria da multa”, além de passar a ter um cunho mais educativo do que punitivo para a infração.

Pais e profissionais divididos

O fato de o presidente ter citado que os pais é que devem ter a responsabilidade de escolher usar a cadeirinha por questões de segurança, independente de multa, e que a lei não deveria nem existir, mais uma vez causou polêmica.

De um lado, as pessoas que concordam que a responsabilidade de proteger os filhos deve ser dos pais e não do estado. Do outro, aqueles que acreditam que sem a punição financeira muitos não cumprirão a lei. Após a tramitação na Câmara o projeto seguirá para o Senado. Caso sofra alguma alteração, a proposta teria ainda de voltar para a Câmara. Somente ao final deste processo o texto retorna para eventual sanção presidencial.

O Advogado Rafael Paiva, que é Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/Santana – e também ministra aula de leis de trânsito em cursos preparatórios para advogados – é um dos que não enxerga a mudança com bons olhos e acredita que a multa deve ser mantida.

“Quando a campanha educativa não vem acompanhada de uma sanção, ela geralmente não é respeitada. As pessoas estão se baseando em um argumento de que o estado não precisa dizer como cuidar dos filhos, mas é justamente o contrário. A sanção está aí justamente para as pessoas que não seguem o bom senso, que não fazem o que deveria ser feito. É preciso ter uma ampla campanha educativa, sim. Mas a sanção é imprescindível. São mudanças irresponsáveis. Estamos retrocedendo décadas em poucos meses. As cadeirinhas tem um papel fundamental e as sanções são necessárias. Se partimos desse princípio, não seria mais preciso de código penal, por exemplo. Porque todo mundo sabe que não deve matar”, argumenta.

Já o Coronel Israel de Souza, que é Consultor de Legislação de Trânsito/Segurança Viária, concorda com a afirmação de que cabe aos pais fazer o melhor para seus filhos: “A cadeirinha é um dos pilares da segurança viária, de acordo com a própria ONU e a OMS. É preciso usá-la, ela oferece sim mais segurança, mas o problema do Brasil é a falta de educação no trânsito. O governo está mostrando que quer salvar vidas pela educação. Ele está propondo uma mudança comportamental, O trânsito em condições seguras é um direito de todos. O pai que não coloca o filho no dispositivo, ele não ama. Não é preciso uma lei para isso”.

Diminuição de mortes no trânsito.

O que é ponto comum entre todos, contra ou a favor do projeto de lei, é que os dados coletados desde 2008, quando foi determinado qual tipo de cadeirinha deveria ser utilizada para cada idade, deixam claro que o dispositivo realmente ajuda a diminuir as mortes no trânsito.

Dados do Ministério da Saúde mostram que, de 2008 a 2017, as mortes de crianças que estavam em veículos diminuíram 12,5% no Brasil. Já nos Estados Unidos a OMS detectou que o número de crianças e bebês vítimas fatais caiu 60% desde que a cadeirinha começou a ser utilizada. Além disso, o DPVAT apontou em estudo divulgado este ano que desde o início da lei o número de indenizações caiu em 60%.

“Isso traz custos para saúde pública. Temos uma discrepância de dados. Você deixa de arrecadar com multas e passa a ter mais gastos com saúde e DPVAT, porque se as pessoas não usam cadeirinhas a tendência é que os ferimentos se tornem mais sérios. Eu não consigo entender a necessidade. Me parece não ter fundo técnico, é como jogar para a torcida. As pessoas estão, com razão, cansadas do Estado. Mas nesse caso, é importante sim que ele interfira”, finaliza Rafael Paiva.

Dados da organização Criança Segura mostram que, quando usados de forma adequada, os dispositivos de segurança reduzem em até 71% o risco de morte em caso de colisão. Levantamento feito pela instituição, com base em dados de 2016 do Ministério da Saúde, revelam que, dentre as mortes por acidentes no Brasil, os de trânsito foram os que mais vitimaram crianças e adolescentes até os 14 anos.

A Organização Mundial da Saúde cita a falta de cadeirinhas e assentos para crianças um dos três principais fatores de risco para acidentes de trânsito para essa faixa etária. Os outros são velocidade e distrações.

A Visão Mundial, organização não governamental humanitária especializada na proteção à infância, se posicionou sobre o tema. A Organização declarou, em comunicado, que entende essa ação como contrária aos movimentos às melhores práticas dos modelos internacionais e também aos estudos técnicos de regulação de segurança divulgados por diversos órgãos e instituições da sociedade.

Para Raissa Rossiter, Diretora Nacional da ONG Visão Mundial, a sugestão da PL é um evidente sinal de que o governo não vê como prioritária a agenda de proteção à infância: “O Brasil possui todas as condições necessárias para ser referência de melhores práticas em proteção à infância e juventude; é fundamental que seja uma das prioridade – de qualquer governo – políticas públicas voltadas a esse público. A segurança das crianças e adolescentes, assim como a qualidade de vida delas, dependem disso”.

Pais também divididos

Para tentar entender se os pais e mães estão contra ou a favor deste projeto e se eles consideram as cadeirinhas importantes, o Segurança da Família ouviu diversas pessoas, que se posicionaram e disseram também se continuariam usando os dispositivos mesmo que não corressem mais o risco de tomar multa.

“Independente de ter multa ou não eu acho que a cadeirinha traz muito mais segurança para a minha filha e continuaria usando com certeza” (Jorge Bsaibes Saba, Gerente Geral)

“Eu sou a favor da retirada da multa, porque independente de multa , é a vida e segurança dos meus filhos, eu uso a cadeirinha por amor a eles e não porque não quero levar multa! Mesmo que não seja obrigatório sempre usarei!” (Maiana Canovas, Professora)

“Acho a cadeirinha trabalhosa, principalmente para colocar no carro e tirar, mas ela é importante para a segurança das crianças. Me sinto mais seguro usando com a minha filha, principalmente quando estou sozinho com ela no carro. O problema do Brasil é que se você tirar completamente a multa, com certeza as pessoas deixarão de usar e colocarão as pessoas em risco” (Raphael Augusto Cortez, Representante de Vendas).

“Eu sou contra a lei e acho um absurdo os pais que mesmo com a lei não usam a cadeirinha. Eu sei como é difícil a criança sentar e colocar o sinto, mas tem que insistir. E mesmo se a lei for aprovada, continuarei a utilizar a cadeirinha para o bem da vida dele. Um acidente pode acontecer na esquina da sua casa, nunca sabemos” (Vivian Troiano, Pedagoga)

“Eu sou contra a multa em dinheiro, porque acho q a segurança das crianças é responsabilidade dos pais. Deveria ser natural essa preocupação com a integridade física deles. Eu não quero correr o risco de que aconteça alguma coisa com meu filho, então eu, vou colocar por livre e espontânea vontade. Porém, muita gente só usa a cadeirinha por causa da lei, infelizmente. Então fico pensando nas crianças desses pais inconsequentes e aí já penso que é preciso a multa, em dinheiro, porque muitos só respeitam quando aperta no bolso. Acho q é um pouco como o cinto de segurança. Lembra quando não era obrigatório? Pouquíssimas pessoas usavam. Quando virou lei e passou a ter multa, todo mundo começou a usar. Hoje em dia, virou um hábito para a maioria das pessoas. Mas quantos anos demorou para que isso acontecesse?” (Camila Roncatti Ameni, Pedagoga)

“Sou contra a retirada de multa, pois infelizmente algumas pessoas só utilizam a cadeirinha, devido a multa! Eu vou continuar usando, pois a minha preocupação é a segurança do meu filho! Mesmo se a multa for retirada, vou continuar a utilizá-la, bem como incentivar todos os pais a usarem também! É nossa obrigação zelar pela segurança e bem estar dos nossos filhos!” (Daniele Dias, Pedagoga)

“Minha filha tem 15 anos e meu filho 17. Quando eles precisavam ter usado não havia a lei. Havia ignorância de não saber o risco que corriam, por isso sou contra a nova lei. Por mais responsabilidade que devemos ter, nem todos sabem o tamanho do risco. Hoje em dia eu usaria mesmo sem a multa” (Renata Cristina Cosme, Bióloga)

“Sou contra a retirada da obrigatoriedade, por motivos de segurança” (Daniela Neves Fumis, professora e psicóloga)

“Eu usaria mesmo que não multasse. Acho super seguro. Ela não é tão prática na hora de colocar ou tirar as crianças do carro, mas usaria com certeza. Acho que sem a cadeirinha não seriam nem todas as crianças que ficariam sentadas no banco de trás” (Tatiana Vitorino Alves de Souza, Professora)

“Claro que sou contra. Não é opção dos pais decidirem isso” (Debora Mandaji, Professora e Bióloga)

Sou contra a retirada da multa. A adoção do uso da cadeira para as crianças diminuiu o número de acidentes fatais com as crianças e, assim como o uso do cinto de segurança, somente a obrigatoriedade (e as sanções para quem não usa) é que fez com que as pessoas se conscientizassem. No tempo em que meu filho era criança, não havia a obrigatoriedade para o uso, mas eu usaria a cadeira assim mesmo. (Anderson Daniel Lopes dos Santos, Servidor Público)