O consumo exagerado de bebida alcoólica é um problema real da nossa sociedade. Seja pela romantização do abuso de álcool ou pela facilidade de compra, o alcoolismo se tornou uma ameaça no Brasil, agravada pela iniciação extremamente precoce do consumo. Para proteger a saúde e a segurança dos jovens, é preciso entender que o consumo de álcool deixa de ser lazer e se transforma em vício com muita facilidade.
O consumo no Brasil
Dados coletados pelo estudo World Health Statistics 2017, divulgado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), deveriam ter deixado o país inteiro em alerta. Isso porque a pesquisa mostrou que em 2016, cada brasileiro com 15 anos ou mais bebeu, em média, 8,7 litros de álcool. São mais de dois litros a mais do que média mundial, que é de 6,4 litros por pessoa.
Muita bebida, desde muito cedo, sem qualquer tipo de preocupação aparente da sociedade. O estudo aponta também que, por ano, o álcool é responsável pela morte de pelo menos 80 mil pessoas nas Américas. Onde está o Brasil neste número? O país te a quinta maior taxa de mortalidade do continente quando falamos de mortes causadas pelo abuso de álcool. O alcoolismo atinge 12% dos adultos brasileiros e responde por 90% das mortes associadas ao uso de drogas.
Os números alarmantes aparentemente não foram impactantes o bastante para ganhar a atenção da mídia e do grande público e por isso é preciso que os pais tenham atenção redobrada para garantir que o inicio do consumo deixe de ser tão precoce.
O exemplo dentro de casa
Quando falamos sobre consumo de bebidas alcoólicas tendo início antes dos 15 anos de idade, muitos podem se chocar e perguntar onde essas crianças “aprenderam” a beber. Pois vamos então a um pequeno exercício: tente lembrar quantas vezes você já viu adultos tomando cerveja em festas de aniversário de criança, na praia em um feriado em família, em casa durante um churrasco… Muitas, né? E quantas vezes esse adulto foi você?
Nossas crianças estão bebendo e quem tem ensinado isso para elas somos nós mesmos. Em estudo piloto realizado no Ambulatório de Pediatria do Hospital Universitário da USP, em São Paulo, e divulgado em 2018, foi constatado que mais de 43% das famílias brasileiras tem o hábito de consumir bebidas alcóolicas dentro do ambiente familiar. A bebida alcoólica é seguida, nesse sentido, pelo cigarro (34,5%), pela maconha (27,5%) e pelo crack (11,5%).
Na faixa do 17 anos, ainda de acordo com a pesquisa, a taxa de experimentação de álcool já chega aos 60%. O uso começa por volta dos 10 anos e em 20% dos casos já existem usuários de mais de uma dose diária. Isto é, já são dependentes.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 13.106/ 2015, vender ou oferecer bebida alcoólica para menores de 18 anos é crime e pode resultar em detenção de dois a quatro anos (do vendedor), multa de até R$ 10 mil ou até interdição do local de venda. E a lei não fala só para comércios. Pais, tios, amigos, todo adulto que oferece bebidas alcoólicas para crianças ou adolescentes pode ser punido.
E aí vem a incoerência: A pesquisa da USP mostrou também que a grande maioria dos jovens iniciam o uso de álcool e outras drogas dentro de casa! Será que estamos tratando o álcool com a seriedade que ele merece?
Será que é saudável a cultura brasileira de não considerar a cerveja uma ameaça, por exemplo? Com menos de 13 graus de teor alcóolico, ela é permitida inclusive de fazer parte da nossa grade de propagandas televisivas.
Temos hoje um país que bebe demais, cada vez mais cedo e com bebidas alcoólicas sendo apresentadas com glamour na televisão em rede nacional. Será que algo não deveria mudar aí?
Porta de entrada
Quando o termo “porta de entrada para outras drogas” é dito, muitas pessoas acham que é um exagero. Mas a verdade é que se as drogas lícitas, como o álcool e o cigarro, se tornarem porta de entrada para drogas mais potentes para 5% dos usuários, o número já é preocupante.
Foi o que aconteceu com o jovem M., que preferiu não se identificar. “A gente acha que uma cervejinha não faz mal, até que descobre que ela pode te levar a um mundo muito mais obscuro, sem que você perceba”, comenta.
Em conversa com o Segurança da Família, ele contou a sua história:
“A minha história começa com a bebida alcoólica e logo em seguida vai para a maconha, ainda na adolescência. Aos 18, tive a primeira experiência com cocaína. A cocaína é uma droga a parte, embora todas elas sejam viciantes, sinto que ela faz com que seu cérebro peça aquela sensação constantemente. Mas durante um bom tempo isso não me atrapalhou.
Na verdade me graduei em uma boa faculdade, passei em um concurso público e tive um relacionamento estável que durou 10 anos. Inclusive, depois que comecei esse relacionamento, parei de usar drogas ilícitas por um período.
Mas sempre abusei do álcool. A gente costuma não perceber que tem algo de errado em beber tanto, mas isso é um indicador de que a pessoa tem uma predisposição para o vício. Para o vício ou para a compulsão
Em 2012 voltei a usar cocaína. Minha namorada na época foi fazer um intercâmbio de quase 1 ano fora do país e eu acabei retomando o hábito. Começou com os finais de semana e ficou assim por algum tempo.
Até que em 2015 resolvemos morar juntos. Eu já estava ocupando um cargo gerencial no meu emprego, tinha um bom salário e estabilidade, mas aquilo não estava me fazendo bem. Minha ex nunca soube que eu voltei a usar, tinha minhas técnicas para que ela não percebesse, embora ela soubesse que tinha algo errado.
A mente de um dependente na ativa é completamente diferente. Todas as nossas ações e nossas rotinas são pensadas para o uso da substância. Começamos a manipular as pessoas em prol daquilo.
E assim foi o ano de 2015. Eu bebia e usava cocaína quase todos os dias da semana, até que eu não conseguia mais ir trabalhar e comecei a ser punido por isso, o que agravou ainda mais minha situação.
Em Novembro desse mesmo ano, eu comecei a usar Rivotril por conta própria, pois não conseguia dormir (um dos efeitos da cocaína) e aí virou uma mistura que quase se tornou trágica. Meus dias começaram a se resumir a isso: álcool, cocaína e Rivotril.
Em uma das brigas com minha ex eu saí de casa, sem rumo. Essa parte não me lembro bem, pois nesse dia eu já tinha ingerido uma grande quantidade das 3 substâncias, mas fui dormir em um hotel no centro da cidade. No dia seguinte, um amigo meu que já estava sabendo da situação, me ligou e eu aceitei me encontrar com ele.
Ele me convenceu a ir pra casa e eu fui. Estava “na viagem” de tudo ainda e minha ex resolveu me levar a um hospital. Ela acabou me levando para uma clínica e após um rápido diagnóstico eu fiquei internado por 33 dias.
O primeiro sentimento quando se está numa clínica é de que a gente não precisa daquilo. Eu senti que precisava realmente sair daquele círculo vicioso em que estava, mas queria que em 1 semana eu já estivesse de volta tomando minha cervejinha.
Conforme os dias foram passando e eu fui conhecendo histórias e tendo acompanhamento psicológico e psiquiátrico, percebi que meu problema era muito maior do que eu pensava.
Descobri que o álcool era meu gatilho. O álcool tirava minha capacidade de julgamento do que era certo e errado e me fazia ir procurar a cocaína. Quando descobri isso, sabia que minha luta seria contra o álcool, algo que nunca tinha passado pela minha cabeça.
Depois de 33 dias internado, era hora de voltar pra realidade e encarar os fatos. Saí do emprego, me separei, voltei a morar com meus pais, segurei todas as minhas compulsões nesse período, pois sabia que precisava apenas confiar em mim. Tive que lidar com a desconfiança de todos. O viciado mente, vive nessa mentira e envolve todos que estão a sua volta nela.
Um mês depois arrumei um emprego, ganhando 8 vezes menos do que no anterior. Hoje, estou prestes a completar 3 anos nessa empresa e tenho uma equipe de 60 pessoas. Não uso mais nada em respeito a mim e as pessoas que confiaram em mim quando eu mais precisava.
Mas a tentação do álcool está em cada esquina. Tenho acesso na hora em que eu quiser. Hoje moro sozinho e posso facilmente cair de novo, por isso minha luta é diária”.
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