Médium João de Deus é acusado de abuso sexual

Uma pessoa considerada acima de qualquer suspeita, especialmente por seu trabalho espiritual de cura pela fé, realizado há mais de 40 anos na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, no interior de Goiás. Era assim que podia ser definido o médium João de Deus, e era esse mesmo argumento que ele usava a seu favor nos casos de assédio sexual durante as consultas.

Durante todo esse período, dezenas ou até centenas de mulheres (pelo que tem se mostrado por meio de novos relatos feitos nos últimos dias) foram vítimas de diferentes tipos de abusos cometidos pelo médium. Ainda que alguns deles tenham situações mais específicas, a maioria dos relatos possui pontos em comum que demonstram um padrão do assédio.

O medo, a vergonha, a sensação de que ninguém acreditaria em suas histórias e até mesmo a descrença de que a justiça seria feita a um homem tão poderoso quanto o médium João de Deus foram os principais fatores que fizeram tantas vítimas guardarem o silêncio ao longo décadas. Agora, elas se unem e decidem visitar as difíceis memórias do que lhes aconteceu para denunciar.

Medo e vergonha foram os principais fatores que silenciaram as vítimas durante décadas

> Acima de qualquer suspeita: conheça o perfil do médium João de Deus e seu trabalho à frente da Casa Dom Inácio de Loyola;

> As primeiras revelações de assédio sexual e as denúncias, que já passam de 300;

> O abuso cometido contra a própria filha;

> Relembre outras pessoas conhecidas do grande público que foram acusadas de abuso sexual.

O médium João de Deus

João Teixeira de Faria, mais conhecido como João de Deus, ou John of God, em outros países, é um médium de 76 anos, que fundou em 1976 a Casa Dom Inácio de Loyola (um padre jesuíta morto no ano de 1556, cujo espírito João afirma incorporar), onde faz atendimentos a pessoas que buscam a cura de doenças. Mais de mil pessoas são atendidas por dia, cerca de 80% delas são estrangeiras.

Ele afirma ter médium desde os nove anos e, aos 16, ajudou na primeira cura de outra pessoa. Conhecido por suas cirurgias espirituais, ele é atribuído por milhares de pessoas como responsável pela cura de doenças graves, como o câncer.

O médium João de Deus é procurado por pessoas de diferentes idades e classes sociais. Muitos famosos, políticos, artistas, esportistas receberam atendimento de João, cuja fama alcançou o mundo. A apresentadora americana e bilionária Oprah Winfrey chegou a visitá-lo e conhecer seu trabalho em Abadiânia, em 2012. No mesmo ano, João afirmou já ter realizado tratamento mediúnico em mais de nove milhões de pessoas.

Revelações de assédio sexual

Os relatos de 13 mulheres foram feitos inicialmente ao programa Conversa com Bial na madrugada do dia 8 de dezembro e ao jornal O Globo. Desde então, outras denúncias surgiram, levando a uma força-tarefa.

Liderada pela Promotoria de Goiás, a força-tarefa foi criada para recolher relatos de supostas vítimas do médium e, até agora, já foram recebidas mais de 300 denúncias, sendo a maioria por e-mail. As Promotorias de São Paulo, Maranhão e Rio de Janeiro também montaram equipes e canais de comunicação específicos para o caso.

A maioria dos relatos seguem padrões semelhantes no abuso. Quando eram atendidas na Casa Dom Inácio de Loyola, as vítimas recebiam um aviso para encontrar o médium em seu escritório ao fim das sessões. Ele dizia que elas precisavam de uma “limpeza espiritual”. Com a sensação de privilégio, já que tantas pessoas são atendidas na Casa, e a felicidade de serem atendidas por um homem associado à cura, elas seguiam as orientações. E a partir daí teriam sofrido o abuso.

Algumas delas tiveram o corpo acariciado por João, outras foram obrigadas a tocar em seu pênis, outras vítimas foram penetradas sem consentimento. Outro fator impactante entre os relatos é que parte dessas mulheres, agora adultas, sofreram os abusos ainda na adolescência, a partir dos 11 anos.

Abuso cometido contra a própria filha

Dalva Teixeira, de 49 anos, é filha do médium João de Deus. Em entrevista à Revista Veja, ela conta que foi abusada pelo pai pela primeira vez aos dez anos. Na ocasião, o pai a mandou ficar nua e passou o pênis por todo o seu corpo. Ele disse que o ato fazia parte de um trabalho espiritual que Dom Inácio de Loyola fazia para ela.

Os abusos aconteceram dos 10 aos 14 anos e foram cometidos em casa, no carro, nos passeios que faziam em família e até em quartos das residências de amigos.

Aos 14 anos, ela engravidou de um homem que trabalhava para o pai e foi espancada por ele. Entre as agressões relatadas por Dalva, ele pisou na barriga dela e ela perdeu o bebê.

Os traumas e os sofrimentos fizeram com que a filha de João de Deus recorresse ao álcool e às drogas. Em 2016, ela foi internada em uma clínica para dependentes químicos. Já em 2017, os filhos dela, Paulo e João Paulo entraram com um processo judicial contra o avô. Eles pediam uma indenização por danos morais sofridos pela mãe, foi aí que falaram pela primeira vez dos abusos cometidos pelo médium.

Dalva relata que foi procurada pelo pai na clínica onde estava e o médium João de Deus teria dito que a vida dos netos estaria em risco por causa da ação na Justiça. Com a ameaça, ela concordou em parar o processo.

Cinco dias depois que as primeiras denúncias vieram a público, Dalva relatou formalmente suas acusações ao Ministério Público, como parte de um processo que corre há quatro meses em segredo de Justiça.

Outros famosos acusados de abuso sexual

O médium João de Deus não é a única pessoa conhecida do grande público que se prevaleceu de sua fama e poder para acreditar que as agressões não viriam à tona e que ele jamais seria punido. Relembre os casos de outros famosos acusados de assédio sexual:

• Marco Feliciano – O deputado da bancada evangélica foi acusado de assédio sexual, tentativa de estupro e agressão em agosto de 2016. A denúncia foi feita pela jornalista Patrícia Lelis, militante do Partido Socialista Cristão (PSC) na época. “Ele tentou me arrastar para o quarto e tirar meu vestido. Como eu resisti, ele me deu um soco na boca e um chute na perna”, disse Patrícia em entrevista ao Estadão;
• José Mayer – Em março de 2017, a figurinista Susllem Tonani acusou o ator de assédio sexual. Segundo ela, Mayer chegou a colocar a mão em seus genitais, além de dizer coisas inadequadas para ela de teor sexual;
• Woody Allen – Filha adotiva do diretor, Dylan Farrow divulgou em 2014 uma carta onde o acusa de estupro na infância. Ela conta que tinha sete anos quando o crime aconteceu. E esse não é o único escândalo sexual envolvendo o cineasta. A ex-mulher de Allen, Mia Farrow, pediu o divórcio após descobrir que ele e sua outra filha adotiva, Soon Yi Previn, mantinham um romance quando a garota tinha 19 anos;

Woody Allen já esteve envolvido em escândalos sexuais, envolvendo até mesmo as próprias filhas

• Bill Cosby – Em 2014, cerca de 40 mulheres vieram a público dizer que haviam sido dopadas e estupradas pelo ator. Os crimes aconteceram ao longo de décadas e, em julho de 2015, foi divulgada uma gravação em que Cosby relata ter feito isso com algumas jovens, em 2005. Seu julgamento teve início em junho de 2017;
• Roman Polanski – Cineasta aclamado por filmes como “Chinatown” e “O Pianista”, ele foi acusado de estuprar a adolescente Samantha Geimer, de 13 anos. Ele foi detido na época, mas ficou pouco tempo preso e fugiu dos EUA. Até hoje Polanski é considerado foragido pela Justiça americana;
• Kevin Spacey – O ator vencedor de dois Oscars e astro da série “House of Cards” foi acusado de assédio sexual pelo ator Anthony Rapp. O caso aconteceu em 1986, quando Rapp tinha apenas 14 anos.

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