Ás vésperas do Dia das Mães, começamos esse texto com um dado angustiante: Em pleno 2019, as mulheres ainda ganham menos do que os homens. De acordo com uma pesquisa divulgada em março pelo IBGE, que comparava o rendimento médio de trabalhadores de 25 a 49 anos de idade, a desvantagem salarial entre homens e mulheres existe, independente da profissão.

Em 2018 as trabalhadoras da faixa etária mais jovem, de 25 a 29 anos, recebiam 87% do rendimento médio dos homens. Já aquelas que estavam entre os 30 e 39 anos, ganhavam 81,6%. Por fim, dos 40 aos 49 as mulheres ganham apenas 75% do salário destinado aos homens.

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É uma realidade assustadora, que se torna ainda mais preocupante quando pensamos nas mães solo e nas dificuldades que elas encontram até mesmo para conseguir um emprego.

Mães Solo

Para começarmos a falar sobre elas, precisamos perguntar: você sabe o que é ser “mãe solo”? É a mãe que cria, educa e é a única responsável pelo filho, sem qualquer apoio emocional ou financeiro do pai. O termo foi criado para diferenciar essa condição de um estado civil. É uma maneira de englobar todos os estilos de vida de uma mãe que não pode contar com ajuda alguma do genitor de seu filho ou filha, pode ter.

São pessoas que precisam se desdobrar para sustentar sozinhas casa e crianças em um país que, de acordo com levantamento do economista Bruno Ottoni, pesquisador do Ibre/FGV e da Consultoria iDados, os ganhos das mulheres com filhos são, em média, 35% menores do que os das que não têm. Isso quando elas conseguem a vaga, afinal ser contratada já é um grande desafio.

“Existe o preconceito de que uma mãe não será uma profissional tão dedicada e competente quanto uma mulher sem filhos ou homens, sejam pais ou não. Isso se reflete já no recrutamento e seleção, mas depois também acaba se tornando quesito nas avaliações de desempenho, nas promoções e investimentos corporativos que a empresa faz no time. O que é ‘engraçado’ é que as empresas dizem que querem que todos tenham qualidade de vida, tenham vida fora do trabalho, mas se a atividade for a maternidade, então isso já é visto de outra forma. Como se houvesse uma dicotomia entre ser profissional e ser mãe. Mas você pode ser profissional e atleta que a empresa até patrocina a sua corrida”, comenta Carol Palombini, psicóloga, coach e consultora da Engaging.

A ideia de que gerir uma família e ter uma carreira profissional são atividades incompatíveis atinge milhões de brasileiras. Dos mais de 71 milhões de famílias no Brasil, 42% são chefiadas por mulheres. Adivinhem: a maioria mães solo. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada também pelo IBGE, mostrou que dos 30 milhões de famílias que têm mulheres como referência, apenas um terço conta com a presença de um cônjuge.

Mesmo gestoras mulheres tem preconceito

Andrea Diniz, que hoje tem um filho de 19 anos, sentiu na pele o preconceito que é direcionado às mães no mercado de trabalho em 2010 quando seu filho quebrou o braço jogando futebol. A assessora de imprensa, que trabalhava em uma grande agência de comunicação em São Paulo, precisou informar a diretora da empresa que iria se atrasar para uma reunião de planejamento e foi aí que uma longa história de desrespeito e preconceito começou.

“Saímos do hospital de madrugada e no dia seguinte eu tinha uma reunião de planejamento. Liguei pra ela bem cedo e expliquei que precisaria esperar minha mãe chegar para ficar com meu filho, que não tinha condições de ir pra escola. Quando cheguei na agência ela me achincalhou na frente de todo mundo. Dizendo que eu não era boa profissional, não era dedicada e que estava fora daquele planejamento. E eu com todos os laudos do meu filho na mão”, conta.

O que pode até parecer um momento de estresse foi, na verdade, mais um sinal do comportamento da gestora, que de acordo com Andrea tinha um histórico de implicância com mulheres grávidas ou que tivessem filhos. Diferente do que muitos podem imaginar, o machismo está tão enraizado na sociedade, que mesmo chefes mulheres apresentam uma forte resistência à contratação, promoção e permanência de mães nas empresas – principalmente e as mães forem solo.

 “O tempo foi passando, tudo correndo bem com os clientes, mas fui percebendo que ela sempre tentava alguma coisa para ‘me derrubar’. Até que um dia ela estava atrás de mim quando minha mãe me liga e fala que achava que meu filho havia quebrado o cotovelo. Pedi um minuto para a diretora e disse que precisava entender o que havia acontecido na minha casa, pois parecia que meu filho estava machucado. Ela perguntou em alto e bom som, novamente em meio a toda equipe: Nossa Andrea, seu filho tem problema? Essas crianças com problema caem muito, né?

Nesse momento meu sangue ferveu, respondi que crianças saudáveis são assim mesmo, que esse tipo de coisa acontecia, mas que ela não sabia porque não era mãe. Desse dia em diante minha vida, que já não era fácil dentro da empresa, virou um inferno. Até sentada em frente ao banheiro masculino ela me colocou para trabalhar”, desabafa.

O caso se estendeu por mais alguns meses, com Andrea sofrendo “punições”, como ser retirada das contas boas da agência, sendo escalada para muitos eventos e viagens, um verdadeiro cabo de guerra que só teve fim quando o próprio CEO da empresa chamou a assessora para conversar e aconselhou que ela fosse embora, pois era nítido que aquilo não era mais saudável.

Consequências emocionais

Uma pessoa que passa por essa quantidade de questionamentos sobre a forma como lida com a carreira e a maternidade pode acabar com consequências psicológicas sérias. Isso porque ela passa a questionar a sua competência em ambas as funções.

“Acho que a pior consequência é a baixa autoestima e baixa autoconfiança. Isso pode acontecer de forma bem grave especialmente se a mulher, mãe, não perceber que está sofrendo preconceito. Ela começa a achar que o problema é com ela, que não é competente ou dedicada o suficiente. Essa culpa faz com que assumam uma postura de pedir desculpas por querem estar próximas dos filhos ou por pedirem para irem ao médico ou a reunião de pais. Não vejo pais solo fazendo o mesmo, até porque são vistos como heróis por fazerem tarefas parentais rotineiras”, explica Carol Palombini.

Foi o que aconteceu com Andrea. Os constantes conflitos com a chefe a levaram a um nível alto de estresse, que precisou ser trabalhado com tratamento terapêutico, remédios e consultas com o psiquiatra. A insegurança se tornou tão grande, que ela chegou a pensar em desistir da carreira, só conseguindo voltar ao mercado em 2015.

“Eu fiquei tão devastada que não conseguia mais me imaginar  trabalhando na área. Ela destruiu a minha autoestima de um jeito, o que ela fazia comigo diariamente era tão baixo, que passei a me sentir uma péssima mãe, a pior profissional do mundo”, finaliza.

Uma questão social

Se situações de abuso já são observadas em grandes empresas, com pessoas de cargos altos e de confiança, para as pessoas com uma condição social menos favorecida, o problema é ainda maior. O Terapeuta Coach Richard Tomé ressalta que a condição social tem forte interferência em como esse preconceito com as mães solo se manifesta.

“Quanto maior a formação, a renda, o status social da mulher, mais o preconceito se torna sutil. O problema aumenta com as mulheres das classes média para baixo. Elas enfrentam o maior preconceito. Quanto mais baixa a classe social, mais difícil fica a sua recolocação profissional”, explica.

Essa dificuldade de recolocação profissional depois da maternidade abre um ciclo que parece não ter fim. Com as mães solo assumindo todas as responsabilidades, incluindo as financeiras, pela criação dos filhos enquanto o mercado de trabalho faz de tudo para que elas não tenham emprego. Como sustentar uma criança assim?

“E quando consegue um emprego, essa mãe ainda enfrenta muitos preconceitos referentes à questão de não ter um companheiro, além do olhar de desconfiança dos superiores, que acreditam que ela não vai ter com quem deixar a criança, precisará faltar no trabalho”, complementa Richard. É essa desconfiança que faz com que a desigualdade salarial entre homens e mulheres se torne cada vez maior com o passar dos anos. As mulheres mais velhas ganham menos, em sua maioria, por que não compartilham das mesmas oportunidades de crescimento profissional.

Richard acredita que a nossa sociedade tem começado a discutir mais sobre o tema e que está mudando, para melhor. Mas, infelizmente, para as mães solo e para aquelas que não estão nas faixas mais favorecidas da sociedade, esse avanço ainda é praticamente imperceptível.