Cumprindo sua principal proposta de campanha, o presidente Jair Bolsonaro movimentou os noticiários nesse mês de maio ao assinar, logo na primeira semana, o decreto que altera as normas sobre o direito ao porte de armas e munições. O porte, que é a autorização para transportar a arma fora de casa, foi amplamente facilitado, gerando discussões na sociedade – onde se questiona quais efeitos dessa medida para a segurança das famílias – e nos âmbitos judiciais, já que muitos juristas consideram o decreto inconstitucional.
As novas regras chegaram para complementar as normas sobre a posse de armas, que foram definidas – e também flexibilizadas – em decreto assinado na primeira quinzena de governo de Bolsonaro.
A medida foi questionada pela oposição no mesmo momento em que foi divulgada. Depois de um pedido de explicação expedido pelo Supremo Tribunal Federal e de a Câmara dos Deputados e o Senado terem considerado que o presidente extrapolou o poder regulamentar do Estatuto do Desarmamento, Bolsonaro assinou um novo decreto no dia 22 de maio, ajustando os pontos de maior polêmica. Não foi o bastante e juristas continuam alegando que há inconstitucionalidade no novo documento.
Mas afinal, o que dizem os decretos? O que mudou? Quais as consequências para a população? Para tentar te ajudar a entender, o Segurança da Família preparou um comparativo com os pontos de alteração de ambos os decretos e a norma anterior para o porte de armas no Brasil.
Confira:
Quem pode ter o porte de armas?
Regra antiga:
A autorização para o porte de armas só era dada a categorias como as Forças Armadas, Guarda Municipal, polícias Civil, Militar e Federal, guarda prisional, Agência Brasileira de Inteligência, Gabinete de Segurança institucional da Presidência, auditor-fiscal e analista tributário, grupos de servidores do poder judiciário.
Após o decreto:
São agora autorizadas a transportar armas fora de casa categorias como: políticos em exercício de mandato, advogados, oficiais de justiça, caminhoneiros, colecionadores ou caçadores com certificado, donos de loja de arma ou escola de tiro, residentes de área rural, agentes de trânsito, conselheiros tutelares, jornalistas de cobertura policial, instrutores de tiro ou armeiros, agentes públicos da área de segurança pública.
Armas permitidas
Regra Antiga:
Um decreto de 2000 classificava como restritos vários tipos de armas, inclusive as usadas pelas Forças Armadas Nacionais. Entre as restritas estavam armas de fogo curtas (como os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto) e armas de fogo longas (como .223 Remington e .44 Magnum).
Após o decreto:
Principal ponto de discussão no decreto do início de maio, esse foi o que sofreu mais mudanças no novo decreto. Para explicar qual armamento poderia ou não ser adquirido, o governo criou os termos “de porte”, “portáteis” e “não portáteis”.
Explicamos:
Para o cidadão comum, que se enquadre nas categorias listadas à cima, ficam permitidas as armas do tipo “de porte”, que incluem pistolas, revólveres e garruchas. Já as do tipo “portáteis” – que abrangem fuzis, carabinas, espingardas – e as do tipo “não portáteis” – como as que precisam ser carregadas por mais de uma pessoa devido ao seu peso ou com a utilização de veículos – ficam proibidas.
São exceções os atiradores e caçadores, para quem estão proibidas somente as “não portáteis”, e os colecionadores, que podem adquirir todas as categorias. As “portáteis” ficam liberadas para domiciliados em imóvel rural.
Moradores rurais
Falando em donos de propriedade rural, eles tiveram o próprio ponto de destaque em toda essa nova regulamentação.
Regra Antiga:
O Certificado de Registro de Arma de Fogo só autorizava uso da arma no interior de casa ou nas dependências dela ou no local de trabalho. No caso de produtores rurais, o porte – para maiores de 25 anos – era permitido somente para quem comprovasse exercer atividade de caçador como garantia de sustento, ficando autorizado uso de arma de tiro simples, com um ou dois canos.
Após o decreto:
O proprietário rural com posse de arma de fogo fica autorizado a utilizar a arma em todo o perímetro da propriedade.
Compra de munições
Regra antiga:
Uma portaria de 2006 e outra de 2018, ambas sobre a venda de munição, estabeleceram o valor máximo de 50 unidades por ano, tanto para munição convencional quanto para a de uso restrito.
Após o decreto:
O limite subiu e muito! Poderão ser adquiridas 5 mil munições anuais por arma de uso permitido e mil para as de uso restrito.
Ficam excluídos da limitação para aquisição de munições: Integrantes das forças de segurança – para as munições adquiridas para as armas de uso institucional; munições adquiridas em stands, clubes e associações de tiros para utilização exclusiva no local; munições adquiridas às instituições de treinamento e instrutores credenciados para certificar a aptidão técnica para o manejo de arma de fogo; caçadores e atiradores também poderão comprar acima do limite, a critério de definição do Comando do Exército.
As munições incendiárias, químicas e as outras vedadas em acordos e tratados internacionais do qual o Brasil participa, são proibidas.
Validade do Certificado de Registro de Arma de Fogo
Regra antiga:
5 anos.
Após o decreto:
10 anos.
Posse vinculada à pessoa
Regra antiga:
Quem desejasse adquirir mais de uma arma, precisava de um documento específico para o registro de cada uma delas.
Após o decreto:
Um mesmo documento passa a servir para todas as armas, identificando quem é o dono.
Acesso de menores a clubes de tiros
Regra antiga:
Menores de 18 anos só podiam praticar tiro desportivo com autorização da Justiça.
Após o decreto:
Mais um ponto de muita discórdia, o decreto do dia 22 de maio determinou que maiores de 14 anos podem praticar tiro desportivo com a autorização dos dois responsáveis. O texto do dia 8 não estabelecia uma idade mínima e pedia a autorização de apenas um responsável.
Consequências para a sociedade
Se o novo decreto é ou inconstitucional e se ele extrapola o poder regulamentar do Estatuto do Desarmamento, cabe ao legislativo e ao judiciário avaliar. Caso sejam encontradas irregularidades, podemos esperar mais alterações nas normas do porte de armas.
Mas, o que já se pode afirmar é que Bolsonaro aumentou – e muito – a lista de pessoas que podem ter direito a andar armadas pelas ruas. Qual será o efeito disso para a segurança das famílias brasileiras?
Conversamos com o advogado Evandro Fabiani Capano, sócio fundador da Capano, Passafaro Advogados Associados, para tentar entender melhor quais os reflexos que os decretos terão na sociedade. “Anteriormente, na teoria, tínhamos a previsão do porte de defesa. Na prática, quase ninguém tinha. Era muito pontual. Você precisava comprovar que não podia ficar desarmado e muitas vezes, mesmo comprovando você tinha o pedido negado. Com a mudança do decreto, o Bolsonaro abriu o porte de defesa para uma série de categorias. Facilitou em tese a concessão. Já era esperado, ele está cumprindo a agenda de campanha dele, que previa o porte de armas para as ‘pessoas de bem’”, comenta.
Sobre o aumento do número de pessoas armadas nas ruas, Evandro acredita que isso deverá sim acontecer e acrescenta: é aí que mora o perigo. “O que as pessoas não percebem é que andar armado requer uma postura. Você não deve andar ostensivamente. Até porque se o bandido percebe que você está armado, pode te abordar em um momento de distração para roubar a sua arma. Existe uma responsabilidade sobre essa arma. As pessoas que dizem que vão fazer curso de tiro não tem ideia do que é andar armado”.
Ainda segundo o advogado, esse despreparo pode levar a sérias complicações quando adicionamos na equação questões como pessoas despreparadas brigando na rua, em batidas de carro, com armas mau acondicionadas em casas com criança, entre outros. É preciso esperar para ver se não vai aumentar a espiral da violência.
“Além disso, não podemos esquecer que essa arma que é roubada da ‘população de bem’ acaba nas mãos de quem não é de bem, aumentando o mercado negro. Quanto mais gente despreparada armada, mais armas caindo no mercado ilegal e maior a violência. É diferente também a realidade do Brasil com a dos Estado Unidos, por exemplo. A população norte americana já tem um histórico de andar armada. Então, se você sacar um revolver em uma batida de trânsito, a ação da polícia é muito rápida. No Brasil nós sabemos que não é assim que o policiamento funciona. Mas precisaremos, em qualquer um desses cenários, esperar para ver onde isso vai chegar”, finaliza.
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