Acordar cedo, sair para trabalhar, ir direto para a faculdade, dormir tarde. Essa é a rotina de milhares de estudantes em todo o Brasil. Somado a isso, temos a pressão por notas boas, trabalhos de conclusão de curso quilométricos e as bolsas de estágio cada vez mais baixas.

Com a economia brasileira em crise, famílias precisando se virar para pagar as contas no final do mês, ofertas cada vez mais escassas de emprego e mensalidades cada vez mais caras nas universidades, a vida do jovem em nosso país tem se tornado cada vez mais difícil.

Precisar lidar com todas essas questões aos 17 anos já seria difícil em um país que investisse na saúde mental das crianças e adolescentes, mas quando falamos do Brasil, onde não existe a cultura de tratamento psicológico preventivo e os terapeutas só são procurados em caso de crise, o cenário fica ainda pior e as consequências podem ser rapidamente percebidas.

Os dados da depressão

De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018, a quantidade de casos de depressão cresceu 18% nos últimos dez anos. O Brasil é campeão de diagnósticos na América Latina, com quase 6% da população doente.

São mais de 11 milhões de pessoas acometidas pela depressão, um número que causaria alarde em qualquer outra doença que não tivesse a ver com a saúde mental, mas que nesse caso não chama a atenção da população.

Isso é reflexo da falta de cuidado com a questão sócio emocional desde a infância. Como bem dizia Renato Russo, “há tempos são os jovens que adoecem” e é preciso que se dê a devida atenção para isso. Não existe um consenso do número exato, mas segundo a Associação Brasileira de Psicanálise, cerca de 10% dos adolescentes brasileiros sofrem dessa doença.

Parte da dificuldade de tratar corretamente a doença está na similaridade que os sintomas de depressão têm com o comportamento comum dos jovens. São eles: queda do rendimento escolar, mudanças bruscas de humor, irritabilidade, falta de energia, tristeza e perda de interesse pelas atividades cotidianas.

Mercado de trabalho

Se você tem menos de 30 anos, com certeza se identificou com ao menos um desses sintomas, mesmo que não tenha depressão. Por isso, o acompanhamento psicológico na infância é tão importante quanto o pediátrico. É preciso que os pais preservem a saúde mental e a física de seus filhos com a mesma preocupação, para que a saída da infância e a entrada na vida adulta – e no mercado de trabalho – seja um pouco menos traumática.

Agravando o quadro de falta de saúde emocional, temos hoje no Brasil uma geração de alunos cansados, que precisam acordar cada vez mais cedo, se deslocar para cada vez mais longe e competir com cada vez mais pessoas por uma vaga na universidade ou no mercado de trabalho.

O professor Ricardo Samelo, que vive de perto essa rotina de lidar com os jovens e sua busca por oportunidades, acredita sim que os jovens têm mais dificuldade para arrumar emprego, seja por falta de experiência ou por outras questões, como por exemplo o alistamento militar obrigatório.

“E aí a gente tem um problema: o jovem está em fase de mudança, parte na fase adulta e parte ainda na adolescência. Nesse período eles já passam naturalmente por uma série de desafios. Muitas vezes a gente percebe em sala de aula um aluno mais aflito, ansioso ou cabisbaixo. E alguns desses casos levam realmente à depressão”, comenta.

“Desde que ingressei na faculdade não tive um emprego assalariado, meu pai tem um comercio aqui em casa e eu apenas o ajudava, porém, o movimento hoje em dia é tão fraco que mal paga a faculdade. Tive diversas crises de ansiedade e pânico procurando algo pra fazer e poder ajudar, mas o maior problema é a experiência que é muito cobrada em qualquer lugar. Não tenho como ter experiência se ninguém dá espaço para que eu a tenha, oras” (D., estudante universitária que preferiu não se identificar)

Muitos jovens têm ainda que lidar com empregos fora da área em que estudam, normalmente acumulando funções, para conseguir pagar as mensalidades. Não é uma tarefa fácil e a falta de perspectiva da economia brasileira tem tornado tudo ainda mais difícil.

“Meu problema maior é essa rotina de estudo e trabalho. Acordo, faço comida, me arrumo e saio as 6h para ir trabalhar. Lá faço muito mais do que minha função de Auxiliar Administrativa. Trabalho das 8h às 17h48, mas muitas vezes já sai bem atrasada, por volta das 22h”, comenta a universitária Larissa Feliciano, de 27 anos.

A jovem já tinha essa rotina atribulada quando começou a cursar a faculdade de biologia no ano passado – sua segunda graduação – e viu seu nível de estresse aumentar no mesmo ritmo em que as horas de sono diminuíram. Hoje os ônibus diários para se locomover se transformaram no principal tempo “livre” para estudar.

“Minha maior pressão é a faculdade, é eu sentir que não estudei o quando queria. É sentir que, além de não ser valorizada no lugar em que trabalho não sou a melhor estudante que posso ser. Não quero pegar DP, não quero sair de uma matéria entendendo quase nada, quero encerrar a faculdade sabendo que tenho uma boa bagagem teórica para colocar em pratica, mas tudo isso sufoca, porque você não tem tempo para desligar”, desabafa.

É papel dos pais e professores, que estão no dia a dia do aluno, perceber mudanças de comportamento que possam estar ligadas a algum tipo de problema mais grave. A professora Debora Minaji é uma das profissionais que já precisou intervir ao perceber que uma aluna estava com problemas.

“Percebendo que uma jovem demostrava atitude depreciativa, principalmente nas redes sociais, idealizamos um programa de aconselhamento com a participação de diversos profissionais. O objetivo foi minimizar ou esclarecer situações que talvez ela não estivesse conseguindo superar”, comenta.

Assim como muitos dos jovens brasileiros, Debora acredita que no quesito sócio emocional atualmente os mais novos estão “cada um por si” e que não concorda que o ingresso nas faculdades seja feito tão cedo. “É aí que as escolhas erradas acontecem”, finaliza.