Se a arte imita a vida, esse é um claro alerta de que, apesar das mudanças quando se fala de violência contra a mulher, ainda há muito o que ser feito. Isso porque diversas letras ao longo das décadas tratam com naturalidade agressões contra o sexo feminino, relacionamentos abusivos, relações sexuais sem consentimento. A violência na música é mais um dos reflexos da violência doméstica diária sofrida por milhões de mulheres.
Há quase 90 anos, a violência contra a mulher era algo tão comum que torna o tema romantizado no samba “Amor de malandro”, gravado por Francisco Alves em 1929. “Se ele te bate/ É porque gosta de ti/ Pois bater-se em quem/ Não se gosta/ Eu nunca vi”.
Contemporâneos a isso estavam pensamentos como “entre briga de marido e mulher não se mete a colher”, ou mesmo de que mulheres que trabalhavam não eram bem vistas e que deveriam se dedicar exclusivamente à vida e às atividades domésticas.
A realidade mudou, a mulher conquistou o mercado de trabalho e a violência doméstica já não é mais tolerada como antigamente. No entanto, músicas de cunho extremamente machista e agressivas continuam sendo compostas, lançadas e ganhando fama.
Segundo especialistas, essas canções não são apenas um retrato de uma sociedade que naturaliza a violência doméstica, mas também têm um papel ativo em estimular, de certa forma, o feminicídio.
O machismo e a postura agressiva contra mulheres estão tão intrínsecos na cultura popular que, muitas vezes, dificulta que a própria mulher perceba que está em um relacionamento abusivo.
Violência na música que banaliza a agressão
Diferentes compositores, intérpretes, épocas e até mesmo gêneros, mas um grande defeito em comum: banalizar atos de violência física, sexual e psicológica contra a mulher. Elas são famosas, cantadas alegremente por milhões de pessoas que nem sempre param para pensar no que aquilo está dizendo. Veja alguns exemplos de violência na música:
“Mas que mulher indigesta, merece um tijolo na testa” – Noel Rosa, 1932.
“Eu só sei que a mulher que engana o homem merece ser presa na colônia, orelha cortada, cabeça raspada, carregando pedra para passar vergonha” – Bezerra da Silva.
“Eu já sei o que fazer. Vamos acabar com a raça dessa mina” – MC Livinho.
“Desculpa a visita, eu só vim te falar, tô a fim de você e se não tiver, cê vai ter que ficar” – Henrique e Juliano.
“E pra você me entender, vou até ser mais direto. Loira burra, você não passa de mulher objeto” – Gabriel, O Pensador.
Conscientização
Refletindo sobre o quão nocivas podem ser essas músicas, mulheres começaram a “corrigir” letras de canções na página “Arrumando Letras”. O objetivo é conscientizar e mudar para versões próprias que pregam o respeito à mulher.
A campanha “Músicas de Violência é uma iniciativa corporativa contra a violência contra as mulheres, fruto de parceria entre o Estadão, a agência FCB Brasil e o Disque Denúncia do Rio de Janeiro.
Lançada em maio de 2016, a campanha utilizou o aplicativo Shazam para conscientizar ouvintes sobre músicas com conteúdo relacionado à violência doméstica.
A iniciativa identificou 350 músicas que, ao serem buscadas por usuários, vinham acompanhadas de alerta sobre o tema. O aplicativo também exibia depoimentos reais de vítimas da violência. Segundo a FCB, após ouvirem as mensagens, apenas 6% dos usuários que tinham a intenção de baixar a música compraram o conteúdo. Outros 94% foram direcionados a um link para o Disque Denúncia.
Mulheres cantam contra a violência e o machismo
Enquanto a violência na música banaliza a agressão contra a mulher, as próprias mulheres estão compondo e cantando para combater essa realidade e manifestar seu apoio àquelas que vivem ou já viveram esse tipo de situação.
A dupla sertaneja Simone e Simaria, uma das mais ouvidas nas principais plataformas em 2017, versaram sobre a violência doméstica na música “Ele bate nela”. O clipe tem mais de 50 milhões de visualizações e faz um apelo para que esses casos sejam denunciados.
Na música “Maria de Vila Matilde”, da cantora Elza Soares, ela faz referência à Lei Maria da Penha. A letra conta a história de uma mulher que não tolera agressões e vai ligar para o 180, canal que recebe denúncias de violência contra a mulher.
Envie seu Comentário