O Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, todos os anos, cerca de 50 mil pessoas são estupradas no Brasil. Silenciadas pelo medo, pelo descrédito, pela insegurança e pela vergonha, muitas das vítimas de estupro jamais relatam o que lhes aconteceu. Sabrina Bittencourt foi um exemplo de vítima que decidiu não se calar.
A ativista social de 38 anos foi uma das mulheres que ajudou a desmascarar abusos sexuais de João de Deus e Prem Baba. De família mórmon, foi abusada desde os 4 anos por integrantes da igreja frequentada pelos pais e avós. Aos 16, ficou grávida de um dos estupradores e abortou. Já adulta, dedicou a vida a combater o abuso sexual no meio espiritual. No início de fevereiro, Sabrina Bittencourt se suicidou.
Um dos motivos dos ativistas e grupos de apoio para vítimas como o criado por Sabrina Bittencourt serem tão importantes, é que o abuso sexual é um crime subnotificado. O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) estima que os dados oficiais representem apenas 10% das ocorrências. Sendo assim, o verdadeiro número de pessoas estupradas anualmente no Brasil ultrapassa a casa de meio milhão.
Nos Estados Unidos, onde existem dados longitudinais, o Center For Disease Control and Prevention prevê que uma em cada cinco mulheres vai ser estuprada ao longo da vida.
Se os números já impressionam, pensar nas consequências da violência sexual pode ser ainda mais profundo. O trauma para as vítimas de estupro vai além da dor física e pode se transformar em um efeitos psicológicos e emocionais que as acompanham por toda a vida. O suicídio de Sabrina Bittencourt, e tantas outras, mostra isso. O tema é delicado, e por isso merece ainda mais atenção:
> Os números sobre estupros no Brasil;
> O silêncio da opressão e das instituições;
> Os efeitos psicológicos para as vítimas de estupro;
> Qual é o perfil de um estuprador;
> Identifique a violência sexual e denuncie.
Estupros no Brasil
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2017, foram 60.018 casos de estupro no país, uma média de 164 ocorrências por dia cerca de um a cada dez minutos. Tomando ainda como base de que somente 10% dos crimes são reportados, esses índices podem chegar a 60 mil casos.
Os números impressionantes representam um aumento de 8,4% em relação a 2016, e 46% em comparação a 2010.
São Paulo é o estado com o maior número total de registros, chegando a 11 mil casos. Mato Grosso do Sul tem a maior taxa para cada 100 mil habitantes, com 66 ocorrências. A maioria dos estupros acontecem dentro de casa, e em 70% dos casos envolvem vulneráveis.
Silêncio e opressão
Todos os dias, mesmo sem perceber, pessoas e instituições silenciam as vítimas de estupro. A cultura do estupro é uma das principais responsáveis por mulheres se sentirem culpadas com aquilo que lhes aconteceu.
Roupas curtas demais, exagero na bebida, o caminho por onde estava andando, se já havia tido algum relacionamento com o agressor. Essa são algumas das perguntas que são feitas quando as vítimas decidem prestar queixa em uma delegacia, por exemplo. A maioria dos profissionais não recebem nenhum tipo de tratamento específico para lidar com quem sofreu violência sexual.
O reflexo disso são perguntas que ofendem, que geram culpa, que causam vergonha e mais sofrimento, por isso ainda há tanta subnotificação de casos no país.
A opressão e o silêncio não vêm só das autoridades, mas também das hierarquias, das classes sociais, das relações familiares ou mesmo religiosas, e de toda posição de poder que o agressor pode se prevalecer sobre a vítima.
Essa opressão pode ter sido, inclusive, um dos gatilhos para o suicídio de Sabrina Bittencourt. Depois de se tornar uma das principais vozes na luta por justiça para as vítimas de líderes religiosos, ela se tornou alvo de ameaças de morte. Sabrina vivia fora do Brasil e se mudava frequentemente.
Efeitos psicológicos para as vítimas de estupro
O estupro é devastador para a vítima em todos os aspectos. Além da dor física, da agressão e do constrangimento, ela ainda lida com uma sociedade que questiona seu papel para que o crime fosse cometido.
As consequências emocionais e os efeitos psicológicos podem acompanhar as vítimas de estupro por toda a vida. De acordo com a psicóloga e neuropsicóloga Elaine Di Sarno, podem ser desencadeados transtornos de estresse pós-traumático, depressivos, de ansiedade e alimentares, distúrbios sexuais e de humor, alterações no sono e perda da qualidade de vida como um todo, com pensamentos de grande prejuízo para a autoimagem.
“No longo prazo, alguns efeitos envolvem depressão, isolamento social, dificuldade nos relacionamentos familiares, sentimento de insegurança e medo de constante de sofrer um novo abuso. Na sexualidade, as vítimas de estupro podem ter a capacidade de se relacionar com o sexo oposto comprometida ou a inibição do libido e da satisfação sexual”.
Elaine destaca ainda a importância do processo psicoterápico nesse contexto. Ainda que a lembrança acompanhe as vítimas de estupro por toda a vida, com a ajuda profissional, elas podem fazer com que o trauma deixe de ser sentido como um estado de perigo eminente e seja percebido como um evento que será lembrado pela mulher, mas sem o poder de determinar condutas e sofrimento.
Perfil do estuprador
Muito se questiona se há um perfil específico do estuprador. No entanto, segundo a psicóloga e neuropsicóloga, ele é um ser real, complexo e está sujeito às influências do meio onde vive. Para ela, não existe um perfil do estuprador, e sim, uma série de variáveis, circunstâncias e determinados contextos que levam essas pessoas ao cometimento dessa violência, sendo possível encontrar atitudes violentas em todas as classes sociais.
“A análise de perfil de personalidade estabelece alguns estereótipos dos estupradores: homens jovens de cor branca que atacam preferencialmente mulheres, cujo primeiro crime se deu antes dos 30 anos. Cerca de 30% são menores de 35 anos, por volta de 80% têm inteligência normal, grau de escolaridade é de ensino fundamental ou médio, está empregado e apenas 4% sofrem de doença mental severa. Alguns possuem histórico de uma infância traumática devido a maus tratos físicos ou psíquicos, motivando os agressores ao isolamento da sociedade ou à vingança contra ela. São pessoas que podem trabalhar, que têm consciência, são sociais, mas, que mesmo após tratamento, provavelmente vão voltar a praticar o crime”.
Identifique e denuncie!
A culpa nunca é da vítima e, depois do momento em que é dito “não”, tudo é estupro. E isso vale mesmo em circunstâncias de um relacionamento: quando não há consentimento, é o chamado estupro marital. Que todos nós possamos seguir o exemplo de Sabrina Bittencourt e oferecer todo suporte para as vítimas de estupro. Se você conhece alguém ou passou por algum tipo de violência sexual, saiba como denunciar:
– Disque 100: atende casos de violação de direitos humanos;
– Disque 180: o número atende casos de violência contra a mulher;
– Ligue para o 181: Disque Denúncia;
– Reúna provas e procure a delegacia mais próxima para registrar um boletim de ocorrência;
– Pelo monitoramento da campanha Chega de FiuFiu: http://chegadefiufiu.com.br/.
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