Um país com dimensões continentais, quarto maior do mundo quando analisadas as terras contínuas, com mais de 200 milhões de habitantes. Esse é o tamanho do Brasil e a explicação do porque temos pessoas, estados e cidades tão diferentes, com seus próprios hábitos, sotaques, culturas. Mas se a rotina de quem mora em uma cidade como São Paulo já é bem diferente de quem mora em Salvador, por exemplo, o que dizer sobre quem mora nas fronteiras brasileiras?

O Brasil é vizinho de dez das doze nações sul-americanas. Isso faz com que apenas a Rússia e a China sejam superiores em relação ao número de países fronteiriços. Ao longo dos mais de 16 mil quilômetros de fronteiras o Brasil conta com rios, florestas, montanhas e lagos, que dificultam a defesa do território, e com famílias. Pessoas que vivem nos quase 600 municípios brasileiros com um dia a dia muito parecido e, ao mesmo tempo, muito distante da realidade de quem vive em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo.

As fronteiras são questão central quando falamos em defesa de território, narcotráfico, tráfico de armas, contrabando, acolhimento de refugiados, dentre outras inúmeras questões que a proximidade com outros países pode trazer.

Narcotráfico

Assunto recorrente nos noticiários, com as inúmeras ações de combate na amazônia, para quem não vive a realidade das fronteiras, as questões do narcotráfico podem parecer distantes. Mas estão bem mais perto de todas as famílias do que podemos imaginar.

Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, realizada com dados de 2017, mas que só em 2019 veio a público, mostra que mais de três milhões e meio de brasileiros consumiram drogas ilícitas em período recente. Dos entrevistados, 208 mil disseram ter usado crack nos 30 dias anteriores ao levantamento.

É um número alto, que está intimamente ligado à outro dado: Foram apreendidos 5,7 toneladas de entorpecentes no Amazonas e 112 pessoas foram presas, sendo 14 estrangeiros, segundo dados da Policia Federal, só́ em 2018. É a ação do narcotráfico, com facções que agem na região fronteiriça por saber que ela é considerada de difícil fiscalização por todos os órgãos de segurança pública do Brasil.

Há uma estimativa de que 75% das drogas do mundo, principalmente a cocaína, entram pela Amazônia, por meio das fronteiras que interligam o Acre, o Amazonas e parte do Mato Grosso, áreas integrantes da Amazônia Legal. Coibir a ação dos narcotraficantes em nossas fronteiras é uma questão de segurança pública e não se restringe somente ao Brasil e países vizinhos. Boa parte dos entorpecentes consumidos em todo o mundo em algum momento passou por aqui.

narcotráfico no brasil

Foi pensando em discutir questões como essas que o III Seminário Internacional de Segurança da Amazônia (SISAM), realizado no final de maio em Manaus, escolheu o tema “Fronteira e Segurança no Espaço Amazônico”. A terceira edição do evento, que acontece a cada dois anos, contou com a presença de vários órgãos de segurança pública, que puderam debater, entre outros temas, sobre como evitar a entrada de drogas na região.

Um dos palestrantes foi o Delegado de Polícia Federal aposentado Mauro Sposito. O profissional, que já trabalhou, entre outras funções, como Coordenador de Operações Especiais de Fronteiras do Departamento de Polícia Federal, falou com o Segurança da Família sobre o tema.

“Nas fronteiras amazônicas o principal problema em termos de segurança é o mesmo de todo o Brasil: o narcotráfico, agravado pelo fato da proximidade com as zonas produtoras de drogas e alicerçado pela falta de emprego em face da estagnação econômica regional e o abandono do poder publico no que tange as políticas públicas de inclusão social. Inexiste uma política de cunho permanente para fazer frente ao quadro vivenciado na região”, explica.

A proximidade com as zonas produtoras de droga agravam e muito o quadro de violência na região, principalmente quando se leva em conta as facções criminosas. É o caso do Acre, por exemplo, apontado pelas estatísticas do “Mapa da Violência 2019” como um dos estados com maior crescimento do número de homicídios.

O crescimento da violência letal no Acre está ligado à guerra por novas rotas do narcotráfico, que saem do Peru e da Bolívia. Essa disputa envolve três facções criminosas: PCC, o CV e o Bonde dos 13 (B13). O Ministério Público do Estado do Acre mapeou mais de 10 rotas, a maioria delas perto da fronteira com o Peru, onde os entorpecentes são transportados por via fluvial e depois terrestre, até chegar ao Rio Branco. É lá, principalmente, onde são travadas as batalhas com maior número de vítimas pelo comando do tráfico na região.

O Amazonas também não fica de fora desta triste estatística. Há uma década o estado apresentava uma taxa de homicídios inferior à média nacional. Nesse período o índice de violência letal praticamente dobrou. Alguns dos motivos desse crescimento são a amplitude e a posição geográfica do estado, que faz fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela. O território é um dos mais importantes para a logística do tráfico de drogas e está na mira do PCC e da Família do Norte, facções que protagonizaram a rebelião no Complexo Prisional Anísio Jobim, em Manaus, no dia 1º de janeiro de 2017.

“Está na hora da sociedade compreender que o problema do narcotráfico é o maior impeditivo do desenvolvimento nacional. Milhões de jovens são destruídos, bilhões de reais se esvaem por nossas fronteiras para aquisição do veneno que dissemina a violência por todo o território brasileiro”, afirma Mauro Sposito.

Os refugiados

Outro ponto também debatido no SISAM foi a questão da entrada de refugiados em território brasileiro. É preciso definir como acolher os imigrantes, que estão chegando ao Brasil, principalmente pela fronteira de Roraima com a Venezuela nos últimos meses.

O Alto Comissariado das Nações Unidas publicou, em maio, um comunicado aos Estados membros da ONU informando que considera que agora a maior parte das pessoas que está fugindo da Venezuela se encontra em necessidade de receber proteção internacional, como pessoas refugiadas e não mais imigrantes.

É um passo importante, com implicações legais imediatas, que visa proteger os cidadãos que se encontram em meio à grave crise política e econômica do país, que passa por um grande conflito envolvendo o presidente Nicolás Maduro e o líder da oposição Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente. A estimativa é que quase 4 milhões de venezuelanos tenham saído da própria pátria em busca de um local mais seguro para morar até o momento.

“A questão dos refugiados tem que ser vista sob uma ótica humanitária. Primeiro foram os haitianos, agora os venezuelanos. São seres humanos que estão dependentes de apoio”, explica Mauro. O que também é preciso reforçar é que diferente do que extremistas à favor do fechamento das fronteiras possam imaginar, o aumento do número de refugiados não tem ligação com aumento ou diminuição dos casos de violência. “Quanto à segurança o quadro pertinente a eles é inferior às más praticas de nossos conterrâneos”, finaliza Sposito.