O Brasil é o país que mais mata LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) no mundo. Em 2016, esse tipo de assassinato bateu recorde no país, chegando a 343 mortes. Foi o ano mais violento para essa população desde 1970, registrando uma morte a cada 25 horas. Mais homossexuais são mortos aqui do que nos 13 países do Oriente e da África onde ser LGBT condena à pena de morte.

São Paulo foi o estado que registrou mais casos, com 49 vítimas, seguido pela Bahia, onde ocorreram 32 mortes. Dos 343 assassinatos, 173 vítimas eram homens gays (50%), 144 transexuais e travestis (42%), 10 lésbicas (3%), 4 bissexuais (1%), além de casos incluindo heterossexuais parentes e conhecidos de LGBT.

Nesta matéria você vai ver:

  • A falta de políticas públicas e apoio do Estado na proteção da população LGBT;
  • A necessidade de acompanhamento psicológico, especialmente das vítimas de agressão física e emocional;
  • A história de um homossexual que já foi ameaçado e que constantemente lida com a agressão psicológica;
  • A opinião de um especialista sobre os efeitos psicológicos da agressão como forma de repressão a determinada orientação sexual ou identidade de gênero.

Os números de assassinatos a homossexuais são alarmantes e expõem uma realidade sobre a falta de políticas públicas voltadas a essa população, causando, em nível nacional, um problema de segurança pública e de saúde.

Para o doutorando em ciência política pela USP, Rafael Moreira, as categorias sociais ainda tidas como mais frágeis, incluindo mulheres, negros e LGBT, sofrem constantemente com as falhas das políticas públicas.

“As poucas iniciativas que existem são extremamente pontuais. Isso precisa vir desde a escola, as crianças precisam ser educadas para o respeito. Além disso, ainda é dada pouca projeção e divulgação às causas dessas minorias”, Rafael Moreira.

IDENTIDADE DE GÊNERO

Moreira destaca ainda a questão dos transexuais. Embora a sigla LGBT unifique a causa maior, os subgrupos também precisam lidar com demandas específicas, como a identidade de gênero. O cientista político citou o caso de um conhecido seu que se identificava como homem gay. No entanto, se ver dessa forma passou a se tornar um problema psicológico. Aos poucos, passou a entender que se tratava de uma pessoa trans.

“Era uma mulher presa no corpo de um homem por 40 anos. Ela não sabia que como se sentia ia além da orientação sexual. O Estado não acessou essa pessoa, não disse a ela sobre seus direitos de ter acompanhamento psicológico e de utilizar seu nome social”, Rafael Moreira,

Para ele, no entanto, a organização e o empoderamento das minorias ganha forças a cada dia e o processo é irrefreável, ainda que sem a ajuda do poder público. “Falar sobre isso é civilizatório e é uma obrigação do governo dar visibilidade à causa”, enfatiza.

VISIBILIDADE É UM DOS CAMINHOS PARA O RESPEITO

Reforçando a necessidade da mudança começar nas escolas para educar crianças ao respeito e a não transformação em adultos violentos, o educador Lucas Onofre cresceu em meio a brincadeiras de mau gosto e xingamentos. “Apesar de me sentir ofendido na época, isso não me abalava tanto assim”, comenta. Mas a insegurança, infelizmente, se torna uma realidade no dia a dia de adultos LGBT. Uma simples ida ao banheiro masculino de um shopping se tornou um momento de incômodo e medo para Onofre. “Estava saindo do banheiro às pressas para encontrar uma amiga e, assim que me virei da pia após lavar as mãos, esbarrei com um homem. Pedi desculpas e segui apressado. De fundo, ouvi alguns comentários que não consegui entender claramente, mas segui o meu caminho. Até que ouço esse mesmo homem me chamando: ‘Ei! Tu é viadinho, é? Melhor sair andando mesmo, porque se esbarrar comigo de novo eu te encho de porrada’ (sic). Foi um tom tão agressivo e inesperado, que fiquei completamente em choque e só consegui pensar em sair dali o mais rápido possível”, relembra o educador.

O tipo de agressão gratuita, como a vivida por Onofre, é um comportamento tendencioso contra alguém pelo fato de pertencer a um grupo que sofre preconceito da sociedade, não por méritos próprios daquela pessoa. “Não é possível afirmar qual a consequência dessa violência na vida de um indivíduo. Portanto, é preciso orientar crianças, adolescentes e adultos a respeito do assunto a fim de minimizar a exclusão e favorecer o diálogo e o respeito acerca das diferenças”, explica a psicóloga Ingrid Geraldo da Silva.

DISCRIMINAÇÃO: RETROCESSO SOCIAL E DANOS PERMANENTES

Para Ingrid, a discriminação contra homossexuais é um retrocesso em nossa cultura e deve ser combatido. O preconceito em relação à orientação sexual pode desencadear situações perturbadoras no dia a dia e danos mais permanentes, como o estresse e a depressão.

“Existem muitas formas de violência, mas não é possível avaliar qual delas gerará consequências, nem quais serão elas. Cada pessoa reage de uma forma e muitas vezes a agressão verbal é muito mais coercitiva e dolorosa que uma agressão física. O dano psicológico de ambas as violências é inerente e pode resultar em agravos estruturantes para toda a vida do indivíduo”, Ingrid Geraldo da Silva.

Os danos, no entanto, podem e devem ser trabalhados. A agressão deve ser denunciada e a vítima precisa buscar acompanhamento psicológico. Psicólogos, psiquiatras e até mesmo grupos de apoio contribuem para a superação dos traumas gerados. “A ajuda profissional deve auxiliar no resgate à dignidade e no processo de autoconhecimento com o objetivo de promover um maior desenvolvimento da percepção sobre si, atitudes, pensamentos e sentimentos. É importante trabalhar a autoestima e a identidade do indivíduo para que consiga superar os efeitos da violência”, finaliza a psicóloga Ingrid.