Ao menos uma em cada quatro mulheres que mora em São Paulo relata já ter sido vítima de assédio no transporte público. A pesquisa feita pela Rede Nossa São Paulo demonstra que esse não é um problema mais restrito às classes mais pobres. O estudo mostrou que a maior parte dessas mulheres tem entre 16 e 34 anos, ensino superior e pertence às classes A e B.
Realizada com 428 mulheres em dezembro de 2017, o levantamento demonstrou que 35% das mulheres relatam já ter sofrido algum tipo de assédio, sendo o transporte público o local onde é mais recorrente o abuso.
O número de denúncias contra o assédio no transporte público também cresce anualmente no Estado de São Paulo. Em 2017, foram mais de 500 casos registrados em ônibus, trens e no metrô, um aumento de 650% em comparação aos registros de 2012.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, em 2012 foram registrados 68 assédios sexuais e atos libidinosos no transporte público – média de um caso a cada cinco dias. Entre janeiro e outubro de 2017, a média subiu paras quase dois casos por dia.
A denúncia de outras mulheres, os casos que se tornaram públicos e até mesmo a publicidade são fundamentais para que as vítimas deixem a vergonha e a culpa de lado e denunciem seus agressores.
Preparamos um post especial para que você entenda todos os pontos de um caso de assédio no transporte público:
> Como os criminosos agem;
> Conheça a história de vítimas dessa violência;
> Saiba quais são os possíveis traumas para quem passa por essa situação;
> O ponto de vista psicológico de um abusador;
> Iniciativas governamentais que visam diminuir os casos de assédio;
> Como se defender e denunciar um caso de assédio no transporte público.
Como acontece
Quando se fala em assédio no transporte público, você pode imaginar um vagão de metrô ou mesmo um ônibus lotado enquanto um homem aproveita a oportunidade para se aproximar de maneira extremamente abusiva de uma mulher que viaja em pé. Mas a ação independe desse cenário.
Mesmo em um ônibus vazio, o suspeito que está mal intencionado dá um jeito de se posicionar próximo à vítima, até mesmo no assento ao lado, seja com um toque, seja com um ato obsceno ou proferindo frases de baixo calão.
Quem pratica o assédio pode ir além: há casos noticiados de masturbação, ejaculação e até mesmo penetração em suas vítimas em ônibus, trens e metrôs.
Classe social, nível intelectual ou mesmo a idade – já que o caso também acontece com meninas menores de idade – não são fatores levados em conta. Geralmente as mulheres são as principais vítimas desse tipo de crime, conforme apontam as pesquisas que já trouxemos neste post.
Assédio no transporte público: elas foram vítimas
A jornalista Bruna Nonato, de 23 anos, já foi vítima de assédio no transporte público de diferentes formas. Em uma delas, ela estava no ônibus na Rua da Consolação, região central de São Paulo, em horário de grande movimento, entre 18h e 19h, quando um homem que se sentou ao seu lado colocou a mão da jovem em seu órgão genital.
“O ônibus estava um pouco vazio e eu já estava sentada quando ele entrou. Ele sentou do meu lado e foi colocando a mão perto de mim. Quando eu vi, ele já estava pegando a minha para colocar lá. Eu gritei para o cobrador, mas ninguém me ajudou, ninguém fez nada. Então eu o empurrei e gritei mais uma vez, dessa vez para o motorista, e desci”.
Outra situação aconteceu com a jornalista em uma estação de metrô. Um homem a fotografava intimamente na escada da estação da Linha Amarela para a Linha Verde.
“Senti algo esbarrando na minha perna, virei, dei um soco nele e quebrei o celular”.
A reação reflete um sentimento de impunidade. Nas duas situações, Bruna não recebeu nenhum tipo de ajuda. Hoje, precisa conviver com a insegurança, e por isso evita o transporte público nos horários mais avançados da noite e carrega sempre um spray de defesa pessoal.
A falta de reação e auxílio às vítimas é sempre uma das características desse tipo de assédio no transporte público. A administradora de empresas Louise Louzada, de 25 anos, também já passou por situação parecida na Linha Azul do metrô de São Paulo.
“O vagão estava cheio e, as pessoas, amontoadas. Então eu senti um homem atrás de mim fazendo movimentos e com o órgão ereto dentro da roupa. Fiquei em estado de choque e sem reação, só consegui dar um grito. Ele desceu na estação seguinte. Ninguém fez nada e ainda me olharam como se eu fosse louca”.
Depois desse episódio de susto e medo, Louise evita ao máximo e não entra em vagões lotados do metrô.
A jornalista Amanda Camargo, de 27 anos, teve que lidar com o medo do assédio desde muito nova. Quando ela tinha apenas 13 anos, em um ônibus em Santos, no litoral de São Paulo, um homem mal intencionado fez com que ela vivesse minutos de pânico.
“Ele se sentou ao meu lado e começou a abrir as pernas. Foi muito rápido e colocou a mão na minha coxa. Eu fiquei paralisada, não tinha noção que isso podia acontecer. Como não sabia o que fazer, eu simplesmente levantei”.
Um pouco mais velha, mais experiente e, principalmente, mais informada sobre os casos, Amanda passou por outra situação e tratou de expor o assediador no metrô, em São Paulo.
“O vagão não estava muito cheio e mesmo assim o homem ficava atrás e encostava em mim. Como já estava mais experiente, me fiz de louca e comecei a gritar: ‘Dá pra você ir pra trás? Não tem necessidade de ficar perto de mim’. Começou aquele caos no metrô, as mulheres se mobilizaram e começaram a dizer coisas pra ele e ele acabou descendo na estação seguinte”.
A marca do assédio
Uma das principais características de quem sofre assédio é que se sintam culpadas de alguma maneira pelo ocorrido. Segundo a psicóloga Ingrid Geraldo da Silva, essas reações podem variar de pessoa para pessoa, mas outros sentimentos que se tornam mais aflorados entre as vítimas são a vergonha, o nojo, a tristeza, raiva e a impotência diante do ocorrido.
“É fundamental que denunciem e conversem com profissionais para que extravasem esses sentimentos e não se sintam culpadas. Depois, podem ter problemas no relacionamento com outras pessoas, por isso precisem de um apoio psicológico. A superação pode ser um processo rápido ou demorado, dependendo de cada pessoa e do tipo de assédio sofrido”.
O perfil do assediador
O desejo de assediar, violentar e causar dor, sofrimento e constrangimento a outra pessoa não é uma doença. Ainda que essas atitudes podem, ou não, estar associadas a desvios psicológicos ou mentais, a psicóloga Ingrid Geraldo da Silva explica que elas estão mais diretamente ligadas a características narcisistas.
“Não existe um perfil específico de um assediador, mas geralmente são pessoas arrogantes, compulsivas, que apresentam frieza em suas ações, falta de empatia e falta de sentimento de culpa. E o tratamento psicológico para isso sempre existe para todos”.
Vagão Rosa
Um vagão de uso exclusivo para as mulheres nos horários de pico, em metrôs e trens. Conhecida popularmente como “Vagão Rosa”, a iniciativa já acontece em países Egito, Índia, Irã, Indonésia, Filipinas, México, Malásia, Dubai e em cidades brasileiras como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife.
A medida, no entanto, gera opiniões diversas. Enquanto algumas mulheres apoiam a iniciativa como uma forma de evitar o assédio no transporte público, especialmente nos horários de maior movimento, outras pessoas questionam a necessidade de criar uma forma que segrega ao invés de simplesmente educar para que o assédio não aconteça em hipótese alguma.
Publicidade – A publicidade também age de forma positiva para evitar novos casos de assédio no transporte público. Desde a Semana da Mulher em 2015, alguns ônibus de Santos, São Paulo, levam a campanha que aproveita um jogo de palavras para fazer um alerta importante: “Mantenha distância, não abuse”.
Aplicativo contribui para a denúncia
Lançado em fevereiro deste ano, o aplicativo VouD, criado pela Autopass, permite a compra de créditos para o cartão de transporte metropolitano BOM – usado nas linhas de ônibus da região metropolitana de São Paulo.
Mas uma das principais funcionalidades do app que já está disponível nas lojas do Google e da Apple é a possibilidade de denunciar casos de assédio, furto ou vandalismo no transporte público. A ideia é que os usuários possam consultar o sistema e visualizar linhas, estações, terminais e trajetos que mais tiveram problemas.
Denuncie!
Toda mulher que tiver seu corpo tocado por desconhecidos no transporte público deve denunciar. As queixas possibilitam que o culpado seja encontrado, não faça novas vítimas e conscientiza sobre os respeito às mulheres também na mobilidade urbana. Saiba como denunciar!
> Dê um grito de advertência para que as pessoas ao seu redor percebam o que está acontecendo e intercedam a seu favor. Elas também podem se tornar possíveis testemunhas do seu relato;
> Reúna o máximo de informações sobre o agressor que possam auxiliar na identificação: sinal físico, roupa específica ou tatuagem;
> Procure um agente de segurança responsável pelo transporte ou vá diretamente à delegacia;
> Na delegacia, se mantenha firme no propósito de processar o criminoso, autorizar uma representação e fazer o reconhecimento fotográfico ou visual;
> Após o boletim de ocorrência, você tem até seis meses para fazer a representação;
> Persista no processo e siga com a denúncia até o fim.
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