Um conforto para quem convive com crianças diagnosticadas com Transtorno do EspectroAutista (TEA), uma cura rápida para uma condição até então incurável, com resultados rápidos e sem grandes efeitos colaterais. Foi acreditando em promessas como essas que muitas mães acabaram se encantando com o MMS (sigla em inglês para Solução Mineral Milagrosa), que promete benefícios espantosos, que incluem a cura do autismo e do câncer. Mas o perigo para a segurança infantil é que nenhuma dessas afirmações é verdadeira.

Criado pelo americano Jim Humble, ex-membro da Cientologia, o produto já é conhecido desde o fim da década de 90, quando Humble alegou ter curado pessoas que sofriam de malária com o MMS e começou a divulgar a eficácia do produto para tratar câncer, AIDS, hepatite, trombose e autismo.

Apesar do grande leque de doenças que ele promete curar, foi a busca por uma cura definitiva para o autismo que fez com que ficasse famoso. Proibido no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2018, o medicamento, que é vendido em um kit com duas soluções líquidas que devem ser misturadas de acordo com as instruções da embalagem, pode ainda ser encontrado à venda ilegalmente na internet e em algumas farmácias.

 

Jim Humble, ex-membro da Cientologia, é também fundador de uma igreja. Ele criou o MMS.

O “kit autismo”, como ficou conhecido por aqui, é composto por clorito de sódio 28% e um ativador, em geral ácido clorídrico 4%. Juntos, eles formam o dióxido de cloro, muito usado pela indústria de celulose para descolorir a polpa da madeira para fazer papel.

Mas, afinal, quais os efeitos do MMS?

Por meio de sua assessoria de imprensa, a ANVISA publicou um alerta em seu site oficial no último dia 27 informando que o uso do dióxido de cloro vem sendo divulgado como uma cura “milagrosa” para diversas doenças, entre elas o autismo, mas que o produto, na verdade, é uma substância utilizada na formulação de produtos de limpeza, como alvejantes e tratamento de água.

“O dióxido de cloro não tem aprovação como medicamento em nenhum lugar do mundo. A sua ingestão traz riscos imediatos e a longo prazo para os pacientes, principalmente às crianças. (…) O dióxido de cloro é classificado como um produto corrosivo e sua manipulação exige o uso de equipamento de proteção individual. É um produto que também traz riscos pela inalação”, explicava ainda o comunicado.

O dano é tão rápido, que muitas crianças simplesmente começam a se recusar a tomar o medicamento. Para resolver esse problema, mães foram orientadas a introduzir o produto pela via anal dos filhos, com supositórios. Outro grande erro: as crianças que receberam o MMS pelo reto tiveram graves danos no sistema digestório, chegando a evacuar partes do intestino. A verdade é que, além de não ser uma cura para o autismo ou pra nenhum outro transtorno ou doença, o MMS não é sequer um tratamento pra nenhum sintoma – e oferece muito risco!

“Existe o uso do ácido clorídrico na fabricação de medicamentos, mas nunca puro. Sempre algumas gotas em uma solução líquida, porque o ácido clorídrico pode queimar, destruir o esmalte dos dentes”, reforça a farmacêutica Cleiry Regina Cortez.

Cleiry, que trabalha em uma farmácia de manipulação em São Paulo que não vende MMS, diz que nunca pediram o milagroso kit autismo no local em que ela trabalha, mas que os consumidores devem estar atentos e denunciar caso descubram um estabelecimento que não está cumprindo as leis. “A Anvisa publica no Diário Oficial quando há proibição e é assim que ficamos sabendo, além das entidades que divulgam. Se uma farmácia vende produto irregular o cliente deve denunciar tanto para a Anvisa quanto para o Conselho Regional de Farmácia (CRF)”, explica.

Em comunicado, a Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag), o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), informaram no último dia 28, dentre outras coisas, que:

– O Transtorno do Espectro Autista é uma condição irreversível que interfere no desenvolvimento e nas habilidades de comunicação e interação social. Pacientes diagnosticados com autismo devem ser assistidos por equipes multidisciplinares de saúde que avaliam meios, farmacológicos ou não, para melhorar sua qualidade de vida e seu desenvolvimento.

– O uso de MMS para autismo não está respaldado em literatura científica nacional ou internacional, não havendo qualquer indicação de que o uso da substância tenha efeito benéfico para os pacientes. Não existe, portanto, uma substância que promova a cura dessa condição. Além disso, há indícios de que o uso interno gere riscos em curto e longo prazo para os pacientes, especialmente crianças. A indicação, divulgação ou venda de MMS para autismo, por parte de farmacêuticos, implica em infração ética grave prevista no código de ética da profissão.

A rotina de quem convive com o TEA

Heloisa Ferreira de Andrade Araujo é uma das mães que dia após dia aprende mais sobre o Transtorno do Espectro Autista e seus tratamentos. O filho Daniel, de 5 anos, foi diagnosticado aos 3 e faz o tratamento pelo CAISM/Unifesp um centro de excelência em saúde mental.

“O Daniel é acompanhado 3x por semana com terapias de 45 minutos. Você para a vida para acompanhar nos tratamentos, porque é muito difícil. No CAISM também passamos por psicólogos, fonoaudiólogos, terapia comportamental, psiquiatras que auxiliam as crianças e os pais. Para conseguir vaga foi necessário escrevermos uma carta de próprio punho e levar na secretaria da saúde solicitando tratamento”, conta Heloísa.

Na escola, Daniel – que estuda na EMEI – também tem apoio de uma estagiária, que o auxilia nas tarefas diárias. A medida, que é garantida por lei, demorou 10 meses para ser atendida pelo Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI). “É uma lei federal. Todo autista tem direito a um estagiário na fase escolar. A tal da ‘inclusão social’ é bem difícil porque é estressante o ir e vir buscando ajuda e eles negando o auxílio”, desabafa Heloísa.

E é por essa rotina exaustiva que promessas enganosas como o MMS acabam ganhando atenção das mães. “Os vendedores mexem muito com o emocional, colocam nos grupos de whatsapp, onde as mães já estão abaladas”, comenta a mãe de Daniel, que já ouviu falar sobre o MMS e inúmeras outras terapias que prometem resultados rápidos e inéditos para um transtorno que não tem cura.

Depois de receber diversas mensagens sobre o MMS, Heloísa foi pesquisar e conversou com uma sobrinha que que mora nos Estados Unidos e tem duas amigas com filhos autistas. A resposta da sobrinha confirmou o que muita gente já desconfiava: o MMS não cumpre o que promete.

“Eu aprendi que não existe milagre no autismo, só se ele vier de Deus mesmo. Tem muita gente que é iludida, que recebe notícias de crianças que ficaram bem melhores em uma semana, que começaram a conversar, formar frases. As mães tem que desconfiar, tem que pensar o que há de errado com esses medicamentos que prometem coisas impossíveis”, finaliza.

Como denunciar

Caso você veja algum site ou farmácia vendendo medicamentos proibidos, não se cale! Em casos como o MMS, a sua denúncia pode salvar muitas vidas. Veja como reportar os órgãos responsáveis: